domingo, 24 de junho de 2012

Viver sem tempos mortos

A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente.

Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar.

Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele.

O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade.


Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.


Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, com Fernanda Montenegro.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Noite espontânea e o crescimento das plantas - D. Donson

Noitezinha, noitezinha, do seu negro véu crescei a flor
Da minha mente tiro o sonho
De que o mundo é puro amor

Do desejo eu vejo o espelho
Do que fui, do que eu sou
A fumaça me faz ver
Todo o ódio que restou

Noitezinha, noitezinha, não se renda para a luz
O teu brilho mais eterno
O próprio escuro é quem conduz

Amanha o dia é de sóbrios
E aos loucos perseguirão
Quem sabe o pouco da verdade
Cria o próprio Deus no coração

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Destino - D. Donson

  Chega a ser uma mutação: meu mundo cai várias vezes e eu me adapto rapidamente aos novos sentimentos. No instante seguinte, sou obrigado a esquecer o que eu sentia, fingir que não existe, até que não existe mais.

Será esse o meu destino: viver de glória em glória e de realidade em realidade. Sem nunca encontrar o meu centro, resignação e novo amanhecer. Desertos e dilúvios, amor e desencanto. Violento e fugaz, eu amo tudo de uma vez, guardo sempre um pouco mais.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Impressões do mundo gay (!?) - D. Donson


Fico impressionado com a superficilidade de alguns faggies.Especialmente os bonitos num primeiro momento (!?). Ficam tão deslumbrados com o pseudo-mundo de "coisas". Não que as "coisas" não sejam boas e importantes, mas elas não são suficientes.

Essas "coisas" (não vou explicar) distanciam ainda mais o caminho de encontro entre uma pessoa e a outra. Faggies, por favor, vamos ter propósitos maiores e mais elevados. Você pode ter um corpo bonito desde que tenha uma alma dentro.

domingo, 15 de abril de 2012

As primeiras dores do amor livre - D. Donson


Deveria haver uma forma de amar sem doer. Amar dói muito, tira o sono, queima-se em febre e em ansiedade. A vontade de unir-se completamente ao outro ser, para sempre, oh, para sempre.

A dor já começa por saber que o "para sempre" não vai exister. A garantia e o dever é o de viver uma vida inteira a cada dia que se nos dá ao lado da pessoa que amamos. E que sequer sabemos porque amamos.

Sabe-se os olhos faiscantes, a vontade de não desagradar, o desejo secreto de oferecer o melhor, de ser espontâneo, de atravessar os becos mais escuros e os vales mais derradeiros só para no fim dizer: puxa, veja pelo que "passamos"! E essa vontade de pronunciar a terceira pessoa do plural é um sinal inequívoco de que tudo está perdido, você está rendido à alegria angustiante do amor.

O "nós" é o golpe último na racionalidade, é quanto realmente começa a doer. Mas não tenho medo da dor, pois nela não sofro. E se meu amor, hora ou outra, com ou sem prévia explicação, não for correspondido, desligo o botão. Sim, dói ainda mais, é algo terrível como um soco no estômago - mas necessário.

Vou até onde o teu olho faiscante me acompanhar. Por que olhos tão brutais e selvagens? Por que essa expressão inumana? acho que você é um ser de outra época, acho que você tem em si o mistério da origem do homem, sua força me assusta e me seduz. Você a desconhece. Essa força, sim, eu amo essa força que vem de você e, às vezes, me é dada.

Breves. Tão breves são os momentos de liberdade solta, nua, inefável. Quando estou com você sinto a possível liberdade, sinto sua aproximação. Eu amo a liberdade sem nome que você possui, aprenderei a ser livre como você, talvez junto com você, até que o vento nos separe. Até que o vento nos separe. Até que um de nós voe. Ou os dois.

domingo, 8 de abril de 2012

Glória íntima - D. Donson


Como explico que tive hoje, finalmente, um dia feliz? Como explico, sem uma palavra que me contradiga, que tive o dia mais feliz da minha vida? Que estranha sensação de egoísmo por ter tido o mundo inteiro de uma pessoa. Não é egoísmo porque também compartilhei o meu inteiro mundo. Mas é uma alegria que entorpece assim como a plenitude e a eternidade também entorpecem. Quer-se completamente mais. Quer-se falar em "sempre". Mas não posso usar o "sempre". Erramos dando um nome, temos que viver essa glória íntima segundo a segundo e anonimamente.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O instinto de liberação - D. Donson

Queria tanto encontrar um meio de enlouquecer. Preciso muito dar um destino para minha loucura guardada.

A sobriedade está, pouco a pouco, me tornando mais humano e menos "eu". Eu não sou tão humano.

E guardo em segredo minha voracidade de expansão, minha vontade de montar em um cavalo e galopar sem freio. Galopar sem freio para... não importa para onde.

A minha loucura é o oposto da radicalidade dessa vida cotidiana e cheia de convenções sociais. Eu ainda quebrarei muitos pratos só para ouvir os estilhaços cortarem o silêncio, a monotonia de alguns domingos meus.

E um dia encontro esse cavalo de que falo. Cavalo que me levará para... para onde não importa. Me levará.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Alegria, a rosa rara - D. Donson


A vida das pessoas é um pouco triste e um pouco solitária. Queria tanto sentir menos a realidade dos outros. E que é a minha também. Queria tanto presentear os outros com o meu melhor, a minha presença. Mas uma alegria para o outro é rosa rara de se dar.

terça-feira, 13 de março de 2012

No light, no light - D. Donson


Perdi o texto. Não bastassem todos os pensamentos que estouram como bolhas de sabão na parede de minha mente, esqueci-me de salvar meu último texto. Isso é sintoma de que não acredito na interferência do que escrevo. Não muda nada. Então por que continuar a ver na palavra a solução última para um mundo todo em si incognoscível , misterioso e cheio de silenciosas eras a subirem por minha alma adentro, alma cada vez mais cansada, oh Deus, cada vez mais cansada?

Eu olho no espelho e o que vejo é a sombra do que fui um dia. Mas as pupilas são as mesmas e conservei a obstinação no olhar, obstinação de quem está prestes a atacar o outro, o animal feroz, o ser excepcional escondido e amarrado para não ferir. Pelo que vejo não aprendi as lições básicas, nem amar eu sabia. Nem amar eu sabia. E tampouco fiz do meu futuro um caminho percorrível por qualquer outro além de mim. Caminho sozinho, com a suave medida da solidão. Uma solidão moderada e totalmente adaptável como a minha própria sombra.

E quantas não foram poucas as vezes que pensei em desistir. O ímpito de continuar. O ímpito de continuar em detrimento de qualquer coisa, em detrimento do amor, do amor e sua tragédia, do amor e seu fiel escudeiro, o ódio!

Ah, Deus, perdoe essa incompreensão de mim mesmo, perdoe eu não querer por um instante a humanidade que me foi dada, perdoe essa minha voz embrutecida de quem não conhece nada senão o grito, o baixo grosso da dor. É porque há a esperança, mas ela não se manifesta para os pobres de espírito como eu. E há a vida, há o amor, há a paz. Paz? Eu que sempre rezei tanto. Não, não tive a minha medida de paz.

Mas não vou morrer sem ser um pouco feliz, sem experimentar de tudo, até o inferno e seus demônios. E não corrigirei uma sílaba da minha oração, por três vezes perdi meu texto, que inferno é esse? Pois que fique este vômito irracional espalhado por esta parede sonsa e obscura de sentidos e que me perdoe também os que estiveram em novidade de espírito. Era somente isso que eu queria. Era somente isso que eu queria.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Rezar para dormir - D. Donson


Como poderia eu, que nunca fui ao analista, me libertar do que eu fui no instante passado e de repente agora percebo que não o sou mais? Bem mais do que isso: não quero ser uma dessas vidas que caminham a esmo sobre a Terra sem nunca se questionar o porque se deve continuar a caminhar. Paro agora para um café, é bem noite e aceitei que terei insônia.

Voltei. Talvez aceitar a minha insônia seja uma forma bem secreta de esperar que o sono venha por si só. Enquanto acordado, penso em palavras. Penso em palavras o tempo todo, no entanto, a palavra correta não me ocorre. A palavra para o que eu sou simplesmente está escondida em algum deserto remoto da minha existência passada ou atual, e é um calvário até o seu encontro. Morro bem mais do que uma vez, morro e renasço concomitantemente.

Tento voltar mais pronto, tento voltar a ter a expressão genuína do meu melhor modo de ser, da minha ânsia por uma novidade de espírito, da descoberta fatídica de que só tenho uma chance, da sabedoria quase sublime de que jamais amarei alguém da forma como amo esse ser que de relance cruzou meu caminho e, de relance novamente, soube que era o meu desafio, era a extensão da minha experiência romântica. Por isso, mudamente, tenho feito orações. Acredito que o silêncio também seja uma voz poderosa, a voz de Deus. E ouvir esse silêncio talvez me leve à compreensão de mim mesmo, desse amor que sinto e muitas vezes me arranha por dentro.

Quem sabe toda vida não esteja mesmo precisando de uma boa dose de silêncio para ouvir o que, na insanidade cotidiana de carros, cavalos e trombones, passa desapercebido. O essencial é um relance só visível ao olho apto a ver a vida que acontece nas minúncias, no orgânico da natureza. E faço disso tudo a minha oração mais primitiva, o meu ritual de catarse, de purificação. Que a palavra traga à existência aquilo que não existe, dentro e fora de mim. Que tudo se esclareça se na loucura obstinada de ser quem eu sou eu resolver sentar um pouco para pensar e sobriamente desistir de ser quem eu era, rumo sempre ao encontro do meu melhor modo de ser.

Peço a quem me lê que me ajude neste caminho. Peço à palavra que me expresse, sem receio de ser lido só pelos que riem de mim, pois esses que me enxovalham são os que mais estão em estado de urgência: eles não vomitam a própria alma para o outro, jamais estarão vulneráveis, jamais se darão sem medo da dor, jamais sentirão esta gratidão ao ser humano ou ao universo por ter sido empurrado para dar um passo adiante.

Oras, à mim, sem religião que me identifique, resta rezar como aprendi. Rezar para este vento da madrugada que sopra na janela, balança as cortinas e esfria o café. Que vela meu sono e me dá a delimitação mais precisa de que sou uma pessoa que carece de outras. Portanto, rezo: me livre de certos abismos da trivial vida de um homem. Faça com que eu ame mais e mais quem está ao meu lado, pois quem sempre cruza um oceano para me ver é quem mais me precisa - e quem mais me importa. Que eu não seja enganado, que eu não engane ninguém. Pois no afã de enganar eu estaria sendo, deliberadamente, um monte intransponível no meu próprio caminho.

O que eu quero é a ousadia de quem se olha no espelho e dá de cara com a dignidade muda de quem não fez concessões, não se vendeu. Eu sou o meu nome, de nascer até morrer... Permita que eu me levante, pois na minha queda toda a humanidade cai também, porém se esse Amor do qual falo existe, ele me ultrapassa e me dilacera mas também me restaura e me diviniza. E só então estarei pronto para dizer "amém".

sábado, 14 de janeiro de 2012

O homem e o seu lobo - D. Donson


Abriu a porta de sua casa com o impulso autômato dos que, pela repetição de uma ato, já não percebem como estão rendidos ao hábito. No seu coração, um pequeno mundo batia, combalido, desesperançoso, mistura de cólera e cansaço. A vida se tornara mais e mais intolerável à medida que ele percebia quão difícil e inacalçável era a obrigação de ser uma "pessoa humana".

E havia tantos que como ele nunca tinham experimentado um momento de verdadeira felicidade. Não me refiro à ânsia desesperadora de quem constantemente tira a felicidade da fonte obscura do prazer. Ele desejava era o momento de tranquilo e sereno encontro consigo mesmo, estava precisado de uma felicidade mansa, aquela moderada paz que vem bem aos poucos, sem alarde ou descontrole, delicada como a brisa da manhã.

Foi mesmo nesta manhã de janeiro que ele tivera a coragem de parar para ouvir. Parar para ouvir os ecos de sua figura interior, a experiência mais assustadora e talvez mais verdadeira e ousada que uma pessoa pode ter. A casa silenciosa, os sussuros taciturnos antes ignorado agora eram encarados com a destreza de arqueiro que atira sua última flecha. O destemor acrescentava ainda mais indiferença à expressão de seus olhos. Era o estado alertivo de quem espera se defender de um ataque.

Sentia-se qual uma carta marcada no jogo da vida. A manhã começara a lhe ofender com raios de sol cada vez mais ardentes, crestando sua máscara de guerra, a máscara da noite de ontem. Foi então que, em meio tão secreta medição, sentiu fome. --- Explendor! Estava salvo. Salvo pela fome! Todos tinham fome, grande ou pequena. Comer era para ele mais que uma ação, era um rito ancestral de purificação. Assim que matava a fome, regozijáva-se com a força de líder tribal que come coração do inimigo, era forte, era intenso, era pura vida original...

A fome lhe dava direto à autotopiedade, já que até Deus disse que 'bem-aventurado são os que sentem fome'. Não era isso? E quando criança fingia não ser maduro o suficiente tentando prolongar a inocência que há muito dexeira de habitar seu espírito. Agora, após uma noite de prazer forçado, mastigada com furor e revolta, mastigava com o ódio primitivo de quem não sabe ao certo aonde é que dói. Se não era dor de fome, era qualquer outra dor em seu âmago.

Talvez fosse a dor primeira da existência de uma pessoa, dor recôndita, antiga e quase nunca questionada. Mais do que isso, era mesmo a dor da descoberta das raízes nebulosas e corruptas da natureza humana. Uma vez posto à frente de seu maior pecado, o de ser o que se era, pensou: "eu sou". Assutado, com respiração arfante, correu como pode. Ele era uma pessoa viva; era também o peso de suas escolhas, tudo tão cruel e irremediável.

Tarde demais! A vida havia lhe rasgado todo com sua lâmina da realidade. Uma vez ferido pela realidade a solução seria lutar contra ela ou ignorá-la. Escolheu não ignorá-la, mas vivê-la de forma bem distraída, sem culpa, sem medo da pergunta, encarando o seu "eu sou" com a mesma truculência de quem ousa perguntar "quem você é".

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Kuschelgeisicht R U


Dear prince,

I don´t know how to start to write about us. I guess I look so corny when the theme is love.

Babe, I would like to know english better then I could dare being poetic. But what I feel for you seems to be the landscape that once I didnt see in anywhere else in the world but in Rio, Búzios.

It was a sunny day and for the first time in a long long hard work period we could enjoy the sea and have some hours off.

That day is unforgettable because was perfect. We was gether, the bliss was in profusion and we, secretly, we knew that we were living an unrepeatable moment.

I know every month that each hour I have with you is unrepeatable and it´s the closest I got to the word "bliss". You are exactly what I found after a long gap of self-understanding.

Obviously, it is scaring. To give what you are to somebody else is not an easy or fast task. It was getting so so so intense, lover, and in those days I was restless thinking that I could lose myself, my individuality or my sense of liberty.

No, lover, when I realized that like an austrian bird very bold you could fly away my heart felt desperate and I did experiment the worse part of loving someone: the lack of the presence, the lack of love.

Babe, I just can´t live or go on without your shining presence. What I say somebody else in love must had said before but I don´t care, it´s myself singing inside in this dark rainy night.

When I said I see great things for us is because now, for the first time, I did dare to say "us".

We are so young now, babe, we come from so different worlds. But I do believe somehow life prepared our meeting in the moment that I most needed.

The way you look to me and smile to me and hug me and feel safe with me. It´s bliss. I know that it´s bliss because we scarcely can be apart from each other.

For you that did show me what "bliss" means. For you that came from lands so so far. I give you my heart and my body - with the soul inside. Every breath that I take, and every moment I am awake... I wanna keep the flame, babe, infinite... it´s vast, it´s beautiful, will last!


Ich liebe dich, mein Kuschelgeisicht!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Auto-terapia - D. Donson


Dear Daniel,

Bem-vindo aos próximos oito meses de sua vida! Você que corre tantos riscos e vive no limite das probabilidades. Resta agora aceitar esse acordo que você fez com o desconhecido e ir em direção ao inesperado.

Sei que quando chega a noite o seu coração acelera, sua garganta entrecorta e você fica triste e melancólico. As pessoas que verdadeiramente te amam estão sob este teto que em poucos dias você irá deixar.

Mas como não seguir esta estranha voz que diz que você tem algo a cumprir? Como não ouvir este chamado para uma experiência que irá, de alguma forma, te alargar a vida? E você sabe que pode escolher caminhar pela trilha já aberta ou usar de certa fibra para abrir caminho novo - em mata fechada.

Oras, faça o seu melhor, se torne um forte. A vida acontece para aqueles que se entregam a um grande sonho. E se você não sabe exatamente qual é o seu grande sonho, entregue-se a doçura caótica da busca.

Busca essa que leve talvez ao amadurecimento, que leve talvez às respostas que não podem ser ditas. Talvez o mundo se escandalize se você jamais desistir de se tornar alguém excepcional, bem maior do que você mesmo.

É que as pessoas têm preguiça de ser tudo o que elas poderiam vir a ser. E se ofendem quando alguém não resiste à tentação de sair para fora do cercado, do cercado da trivialidade, do cercado das coisas fáceis e do mundo possível.

No entanto, as pessoas são as paisagens mais belas que existem. E a vida de todo mundo é inacreditável e passível de se tornar um filme.

Quanto a você, continue insistindo. O que você não é está te impulsionando para frente. O que você não é está te ensinando, pouco a pouco, uma grande lição. Está te aproximando do Grande Sentido.
É provável que Deus exista dentro disso. Eu sinto que Deus está para você. Está sempre.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Primavera e os renovos da terra

É primavera. Não sei por que, mas a primavera me dá coisas. Começando por uma sensação de estranha mobilidade, uma sensação que faz com que eu repense a minha vida atual. Talvez seja o chão carregado de flores pisadas, mas com o perfume ainda fresco. Talvez seja o reflexo de luz por entre as árvores que me recosto. Eu adoro o vai e vem das folhas o meu quintal.

Por instantes, penso que sei do universo. Não digo que conheço o universo, mas sei sem saber que a vida está se refazendo, organicamente. É quando também volto à terra, humilde, cansado e desvanecido. Sim, porque também preciso me refazer e buscar forças outras pra encarar a vida de frente e encarar a minha verdade de frente.

A minha verdade nunca me agradou. E se há alguma coisa que me incomoda em ser gente (ou aspirar em ser humano) é o fato de que jamais alcanço minhas raízes. Eu quero dizer que, por vezes, não me sinto parte de nada. E vivo procurando uma forma telepática de me encontrar.
Mas há tanto que já me perdi que temo em achar-me tarde demais. Temo em tomar gosto pelo abismo, pelo ato de se perder, pois perder-se é um achar-se muito perigoso.

Sinto, nesta primavera, que é hora de retornar à terra se eu quiser continuar vivendo. O mundo é um emaranhado de opiniões sobre ele. E ninguém sabe de nada, ninguém tem tempo de saber.
Dias destes acordei triste. Fazia um sol como no inferno e há dias não chovia. Tive por um momento a sensação de estar sob forte pressão na terra dos homens. Tive a sensação de que eu não me enquadro em perfil algum e que, mesmo assim, minhas atitudes estavam me levando para um quarto escuro.

Neste quarto escuro, eu podia ouvir ao longe gritos e revoltas. Mas o pior de tudo é que eu havia perdido o direito de também gritar, eu era mudo, eu existia simbolicamente. Eu estava como as folhas caídas do meu quintal, sendo pisadas voluntariamente por seres bem maiores do que elas.
Então, resolvi parar de lutar, me deixei ser pisado. As pessoas que andam sobre o mundo esperam uma oportunidade para acusar um criminoso. Cometi muitos erros na minha ânsia de ver todas as coisas como elas realmente são e isto me levou para o quarto escuro de que falei. Porque ainda que eu tenha a razão, se eu falasse, eu seria arrastado.

Falta-me o direito de denunciar, pois eu também faço parte deste grande círculo de erros e acertos. Mas quanto ao crime, uma bala só é suficiente para matar um facínora. As demais balas se resumem em vontade de matar, em prepotência de quem atira – e este se torna criminoso de igual modo.

A justiça, meu amor, a justiça é algo que é sempre praticado de forma equivocada. Pois dentro de todo homem justo há um facínora em potencial - nada do que é humano me é estranho. Para me livrar de todas as vibrações que criei, preciso de reciclagem, porque eu tenho os meus lobos. E não quero ser insensível à dor alheia, não quero ser o que eu fui um dia. Terei que sair pela por dos fundos para me salvar de mim mesmo. E como a primavera, terei que me deixar cortar para só assim voltar mais forte ano que vem.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O Guardador de Rebanhos - Fernando Pessoa


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

sábado, 7 de agosto de 2010

I´m So Moving On! - D. Donson


Moving on! Estas são minhas palavras de ordem! Depois de mais uma leve decepção no que diz respeito às emoções, resolvi agilizar meu processo de partida. Cheguei de Santos ontem, depois de uma semana inteira de treinamento com a Costa Crociere. Foi realmente legal, conheci muita gente nova, rimos A LOT, saímos e nos divertimos. Descobri que tenho o dom de fazer as pessoas rirem e que uma hora vou ter que voltar a atuar! Haha.

Fiquei em um hotel há metros da praia, então à noite eu costumava sair pra caminhar e ver as pessoas de Santos. No penúltimo dia, coloquei meu fone e minhas músicas on, saí bem distraído pela orla, andando devagar, sendo uma coisa muito rara: eu estava sendo livre. Parei na escola de surfe, fiquei algum tempo observando sozinho o mar escuro, a forma como as ondas se interpõem na areia. Então pensei que seria mesmo um grande desafio ultrapassar todas as fronteiras geográficas.

Porque quando eu ultrapasso uma fronteira física, eu ultrapasso, antes de tudo, uma barreira interna. Eu quero dizer que a descoberta, a distância e uma nova forma de vida me apontam caminhos. Espero não retornar da mesma forma que estou indo, estou partindo pra reciclagem e exijo um novo Daniel...hehehe. Nada de me devolver em terra para minha vida atual, quero uma ruptura, uma mudança, pois o cotidiano me mata.

Ainda na escola de surfe, vendo ao longe as luzes dos navios que atracavam no porto, pensei: em todo momento há gente que chega e gente que vai. E o mundo tem muitas pessoas, nunca se sabe quem é que se irá encontrar e quão decisivas estas pessoas serão em nossas vidas. Por isto, irei viajar de peito aberto, embora triste com o que poderia ter sido aqui e até agora não foi.

Quando eu estiver no avião, colocarei I´m leaving on a jetplane que é uma das músicas mais românticas que conheço. Ou quem sabe I say a little prayer for you, que é um hino do amor. Também colocarei Sorry to Myself, que é para me lembrar que devo tentar machucar menos as pessoas. Mas quando eu voltar, colocarei Thank You, da Alanis. Porque acho que esta longa viagem será o meu retiro espiritual, a minha própria Índia e a sua espiritualidade.

Isso, estou saindo de cena para voltar mais forte e mais bonito, no sentido conotativo! Hehehe. No final das contas, a gente não está querendo provar nada a ninguém. A gente só está querendo sentir o mundo e as pessoas e Deus de um modo diferente. Gostaria de enxergar Deus nas pessoas e nas coisas. Gostaria de enxergar o amor e sentir o amor por Deus, pelas pessoas e pelas coisas. Se eu puder enxergar tudo isso, ainda que de relance – porque a verdade é um relance – terá valido a pena me ausentar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Noite sem fim - D. Donson


Não é a toa que entendo quem jamais dispensa uma balada. Quem não conhece a vida noturna de certos clubes e bares, não entenderá o que irei falar. Começamos, pois, pela liberdade que a noite promete. Do momento em que saímos do banho e nos arrumamos, até as luzes caleidoscópicas da pista de dança: com bons amigos ao lado, pelo menos a diversão é garantida.

Cada pessoa tem um estereótipo físico do que deseja encontrar nessa longuíssima noite. A moda também se faz presente, grandes estilistas, brands: Gucci, Fendi, Prada, Valentino, Armani, Calvin...hehehe. O que todos nós - os que freqüentam estes locais - já aprendemos é que algumas destas noites escondem grandes surpresas. Boas ou más, elas quebram com a maldição do cotidiano e da trivialidade de tarefas repetitivas e fuckin cansativas. Talvez este seja o grande segredo: a quebra, a ruptura, a novidade.

Também devo salientar que em tais locais algumas pessoas se tornam irreconhecíveis. Isso porque estão sendo, por uma noite, livres – coisa que assunta. Portanto, elas fazem coisas que jamais caberiam no seu dia-a-dia, no mundo real que envolve a todos nós. Estou tentando falar de algo que é pungente dentro do ser humano, mas não quero dar um tom didático, pois não tenho nada a ensinar.

Ocorre que algumas noites podem se tornar odisséias de grandes romances ou aventuras. Há quem jure que viveu um autêntico relacionamento numa única noite. Há também aqueles que optam por beijar 15155148886313 de bocas, ainda que no dia seguinte não se lembrem do rosto de ninguém. Há ainda aqueles que, como eu, entram com o pé esquerdo na grande festa (porém, muito alinhado, obrigado) e sem grandes expectativas, apenas o compromisso de celebrar um momento de... de liberdade.

No entanto, me parece que a falta de pretensão dá ocasião à surpresa. Justo eu que, dos meus três amigos, sou o menos baladeiro. Pois depois de insistentes ligações resolvi conhecer certos novos clubes em outra cidade. Tive grandes descobertas das quais pouco irei falar, pois o dia já amanheceu e nunca consegui na vida lidar com os restos do carnaval.

Com isso, quero dizer que não sei o que foi real, já que tudo que se vive lá parece desaparecer com a luz do dia. Me lembro bem da sexta-feira FREAK, todas as músicas que eu amo foram tocadas: Cold, Avril, Alanis, Oasis e até Elis Regina. O sábado eu guardo comigo, mesmo sob o efeito duas doses de Jack...hehehe – o sábado é meu.

Esqueci o que eu pretendia com este post, vou parar um pouco para um café, já são 2h da manhã e o mundo descansa, menos eu que tenho insônia. Voltei. Lembrei: a noite também pode ser mágica, como se uma fada me dissesse: “Apenas por esta noite, você terá o que você quiser. Quando sol aparecer você precisa estar longe daqui”...hehe. Gostaria de dizer que... que aceitei as condições. Mesmo sabendo que brinquei de bola sem bola e que numa noite como estas, a única garantia é a deliciosa vertigem do momento.

Espero ter sido menos melancólico que o usual, afinal, não estou triste hoje, só um pouco cansado. Talvez sábado eu aceite novamente as condições e esta fada anônima me faça o favor de repetir meu desejo...hehehe. Eu acho que devo ser alguém especial: se eu não existisse, a Disney me inventaria...hehehe. Acho melhor ir dormir, XOXO.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Traduzir-se - Ferreira Gullar.



Uma parte de mim
é todo mundo
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Unsent - D. Donson


Querida Clarice,

Estou triste. Um êxtase me vem pelo fato de não caber na vida dos dias. Estou atravessando uma fase de silenciosa tensão, de medo, de incerteza. Minha vida, ao que parece, oscila mais que uma montanha russa. Minhas felicidades duram átimos de segundo. O mesmo tempo que o pneu de um carro em alta velocidade demora para tocar o asfalto e depois gira para novamente tocá-lo. Sinto que estou perdendo tempo, sou acometido de um mal-estar constante e instintivo. O mesmo mal-estar que se sente quando uma pessoa perdida em uma grande cidade toma a linha errada do metro ou do ônibus.

Como sabe, sou uma pessoa que sente tédio facilmente. E para me manter aceso é necessário sempre uma novidade que me faça superar uma adversidade. Preciso de jogo, preciso de riscos. E tudo está tão silencioso, tão mórbido e obscuro. Não sei se estou no caminho certo, mas sei que não encontrei o que estive a vida toda procurando. Talvez eu nunca encontre. Sei que não estou sendo específico, mas às vezes o que nos resta é apelar para os sons das palavras para tentar externar algo que sequer é exprimível.

Nesse momento toca Flinch. Assisti vários episódios de seriados e o som da televisão do outro quarto me incomoda. Aqui, acredito, não é meu lugar. Por Deus, Clarice, eu não encontrei aquela sombra com reflexos de luz entre as árvores, onde finalmente repousaríamos e nos descontrairíamos. Os meus sonhos parecem serem feitos de brisa e eu não sei se peço muito.

Estou relendo A Hora da Estrela e me vejo em tantas cenas, Clarice. Dia destes, também eu tive um encontro com a minha miséria ao olhar no pedaço de um espelho. Juro que senti aquela incompetência para viver tão inerente à Macabéa. Então pensei: também eu. Eu achei que viver fosse coisa fácil e que ser feliz fosse obrigação nossa, mas não é. Estou em um emprego monótono, estou em uma faculdade em decadência, estou sem grana para realizar meus projetos, estou sem grandes novidades amorosas, estou querendo partir, estou querendo respostas que apontem para Deus, estou querendo mudar, estou com saudades do que se foi, estou pronto para dormir mais uma noite.

No fim, Clarice, se as coisas não saírem como planejei terei que descobrir novos caminhos. Pois, diferente de Macabéa, eu não vou ficar com o que restou de mim. Antes, irei procurar me refazer, buscar forças outras: a vida sempre acaba em algum lugar. Só preciso me concentrar em mim para não esquecer quem eu sou e para onde vou. Clarice, não tem sido uma tarefa fácil, mas já obtive progressos significativos, embora ainda continue não entendendo as negras raízes de nossa liberdade.

O dia que experimentar a liberdade por completo serei como o cavalo novo de que você falou. Ninguém mais me colocará um nome, uma classe, um código, uma cor. O dia que eu alcançar os campos verdejantes eu correrei tão grato ao mundo e a Deus que eu pensarei: o que não nos mata, nos liberta. E jamais voltarei a pensar em sair pela porta dos fundos, antes tomarei para mim tudo o que é meu. Serei dono de mim mesmo e todas as estrelas do céu de abril serão minhas testemunhas.

Porque o mundo reconhece que fazemos parte dele. E eu sempre quis fazer parte de alguma coisa: meu coração é quase novo e eu também sou quase novo. Poderia desistir, mas preciso continuar a me respeitar. E esta é apenas uma noite ruim, não sei o que me espera amanhã. Que o mundo não se escandalize, Clarice, mas insistirei mais um pouco.