terça-feira, 1 de setembro de 2009

Utopia – Alanis Morissette


Composição: Alanis Morissette, em homenagem às vitimas do 11 de setembro
Disco: Under Rug Swept (2003)




Juntaríamos-nos todos em uma sala / We'd gather around all in a room
Afrouxaríamos nossos cintos / Fasten our belts engage in
Conversaríamos / Dialogue
Todos relaxariam / We'd all slow down
Descansaríamos sem culpa / Rest without guilt
Não mentir sem medo / Not lie without fear
Discordar sem julgamento / Disagree sans judgement

Nós ficaríamos / We would stay
E responderíamos / And respond
E expandiríamos / And expand
E incluiríamos /And include
E permitiríamos /And allow
E perdoaríamos /And forgive
E aproveitaríamos /And enjoy
E envolveríamos / And evolve
E discerniríamos /And discern
E inquiriríamos /And inquire
E aceitaríamos /And accept
E admitiríamos /And admit
E divulgaríamos / And divulge
E abriríamos /And open
E alcançaríamos / And reach out
E falaríamos /And speak up

Essa é Utopia, essa é minha Utopia. / This is utopia this is my utopia
Esse é meu ideal meu “in sight” final. / This is my ideal my end in sight
Utopia, essa é minha Utopia. / Utopia this is my utopia
Esse é meu nirvana./ This is my nirvana
Meu ultimato./ My ultimate

Abriríamos nossos braços / We'd open our arms
Nós todos pularíamos, nos deixaríamos cair / We'd all jump in we'd all coast down
Nas redes de segurança / Into safety nets

Nós dividiríamos / We would share
E ouviríamos / And listen
E apoiaríamos / And support
E acolheríamos / And welcome
Seriamos arrastados pela paixão / Be propelled by passion
Não investiríamos em resultados / Not invest in outcomes
Nós respiraríamos / We would breathe
E seriamos encantadores / And be charmed
E apreciaríamos a diferença / And amused by difference
Seriamos gentis / Be gentle
E aceitaríamos todas as emoções. / And make room for every emotion

Nós providenciaríamos discussões / We'd provide forums
Todos falaríamos / We'd all speak out
E todos seriamos ouvidos/ We'd all be heard
E nos sentiríamos notados. / We'd all feel seen

Nós levantaríamos após os obstáculos / We'd rise post-obstacle
mais definidos / More defined
mais gratos / More grateful
Nós nos curaríamos / We would heal
Seriamos humildes / Be humbled
E nada poderia nos parar / And be unstoppable
Seguraríamos forte / We'd hold close
E deixaríamos ir / And let go
E saberíamos quando fazer o que / And know when to do which
Nós libertaríamos / We'd release
E desarmaríamos / And disarm
E suportaríamos / And stand up
E sentiríamos seguros / And feel safe

Essa é Utopia, essa é minha Utopia. / This is utopia this is my utopia
Esse é meu ideal meu “in sight” final. / This is my ideal my end in sight
Utopia, essa é minha Utopia. / Utopia this is my utopia
Esse é meu nirvana./ This is my nirvana


Meu ultimato./ My ultimate

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Carta Para a Única Sóbria do Ex-grupo - D. Donson


Só estou escrevendo para que eu possa esquecer o assunto. É, porque para mim também é importante falar. E também porque você é a pessoa que eu mais julgava sensata do grupo. O que ocorreu ontem, de modo nenhum me impressionou, embora eu tenha ficado chateado. Mas era de se esperar, era previsível. Jamais me faria de vítima, no entanto, neste caso, foi meio que injustiça.



Primeiro, porque meu desempenho no grupo foi igual ou melhor do que alguns integrantes falantes. Sempre falantes, sempre querendo demonstrar criticidade nos assuntos, mas quando é para trabalhar mesmo sempre procuram alguém ou alguma coisa que justifique a nota, ou as incompetências. Nada que possa comprometer a foto no final de tudo, porque, é fundamental mostrar ao mundo cada trabalhinho das crianças - recordação.



Segundo, achei, de modo geral, muito esclarecedora a atitude do grupo. Quando falo “grupo” estou sendo generoso e singelo. É que tem gente extremamente submissa que não se importa em trabalhar às sombras dos “líderes”, dos pretensos “jornalistas”, dos seres excepcionais que nasceram para brilhar. Talvez meu problema tenha sido este, não é? fui subversivo e acabei questionado demais.



E continuaria a questionar se continuasse. Não que eu seja um exímio profissional, tenho minhas falhas. Mas porque tenho plena consciência de que ninguém é melhor que ninguém. E, que, potencialmente, todos somos iguais. E eu é que sou antiprofissional? Ser excluído para não haver futuras discussões? Cadê os grilhões, a máscara de ferro?



Contudo, juro que estou bem mais aliviado em relação a algumas pessoas que tenho que conviver nesta graduação. Me considero mais maduro e muito mais apto para discordar. O bom do universo é que aquele papel, o diploma, não significa absolutamente nada, muito menos agora, não é? O bom do universo é que o mercado seleciona, como ouvi alguém dizer. E graças a Deus, já estou nesse mercado desde o primeiro mês que entrei neste curso.



Sintomático, não? Alguma capacitação e habilidade devo ter. Mas sabe, Lílian, continuo admirando seu talento e sua especial habilidade para lidar com pessoas. Eu me considero paciente, mas você me supera, indubitavelmente. Afinal, suportar uma conversa em que a pessoa fala apenas dela mesma é sempre um teste de nervos. De cada dez palavras, nove são sobre ela e a outra sobre algum evento da vida DELA. Esta jamais diz “como vai?”...hahaha. Desprezível. Falta alguma coisa essencial, falta uma certa sensibilidade que, thank God, não sou eu quem vai ensinar. A vida educa, thank God!



Acho que eles pensam que o mundo gira em torno deles. Que é o mundo precisa mudar e não eles. Que as pessoas são inadequadas ou displicentes e não correspondem ao nível deles. Eu rio disso. Especialmente destes que se acham a bolacha última do pacote, (inquisidores de professores), mas que quando escrevem demonstram tão pouco apreço ou intimidade pela língua. Eu adoro línguas, acho que elas abrem porta para evoluirmos enquanto pessoa – cidadania do mundo, sabe. E não existem sinônimos, cada palavra tem um significado único. Por isso estou sendo cuidadoso e selecionado aqueles que acho que remetem à semântica do meu pensamento.



Eu já li textos da menina e do menino. A menina tenta articular, mas peca muito na gramática. Fala muito de si mesma, como era de se esperar. As pessoas ridicularizam. Falta talvez um pouco de literatura universal, indicaria Franz Kafka. Porque se você produz algo que todos produzem, a oferta é maior do que a demanda e aí a volatilidade do mercado fala mais alto.



Já o menino é realmente amador. É arrogante tanto quanto e, por vezes, tenta mostrar humildade franciscana. Eu sou arrogante com gente arrogante. Eu só sou culpado por dar feed backs à altura. Mas o menino, tão cheio de opiniões, precisa de um reforço escolar, uma alfabetização de maior qualidade. É uma defasagem de anos, difícil querer ser bom do dia para noite. Experiência que quem já passou alguma dificuldade na vida e que só se apegou à escola e aos professores por não querer ficar em casa devido a abusos.



Não pense, porém, que pretendo com este e-mail me autoafirmar, ou ostentar qualquer coisa, ou me fazer de vítima. Eu só não poderia ficar quieto frente a uma atitude tão pueril e tão arbitrária quanto essa. Para o aspirante nível universitário que observo, tenho medo do futuro do Brasil. Gente que só pensa no seu nariz – medo. Olha que ontem eu falava com God e perguntava a melhor forma de me comportar em face da mediocridade de algumas pessoas.



Ele me disse, quase que pessoalmente, que eu deveria anotar o nome deles no meu caderninho do esquecimento. Disse ainda que seria salutar não me formar com eles, já que depois eu nunca mais veria se quer um virtual ‘como vai’. Disse ainda que era fundamental seguir meu caminho, em detrimento das adversidades e tentar tirar notas bem altas. Disse também que já conheci pessoas bem piores e que atitudes como esta, para eles, é natural.



É difícil se observar, pensar sobre si. É quase um dom. Portanto, não posso cobrar nada se o que eu vejo quase ninguém vê. Cansei de escrever e é inútil delongar. A melhor resposta não sou eu quem vai dar. Só escrevi para não esquecer de nada e sustento tudo isso. Thank God porque outros outubros virão, outras manhãs, plenas de sol e de luz. Estou ansioso por um tempo melhor do que o presente, onde as pessoas sejam pouco mais transparentes, mais solícitas, mais unidas. E amizade seja coisa mais comum de se achar.



P.S. não esquecer de tirar fotos nos próximos trabalhos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Perseguindo A Vida...



Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento. Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência.


Eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro.


Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas.


Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo. E de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.



Perto do Coração Selvagem (Clarice Lispector - 1946)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Trem Para as Estrelas - Por D. Donson



Hoje pego o trem, hoje pego o trem
Não avisarei a ninguém, de malas prontas partirei.
Eu já estou com o pé na estrada, finalmente serei Requiem
Não sei se o que falo é o que sou, mas meu nome... Este guardarei.

Ouvi, relva do campo, ouvi, acordes do vento!
Estou voltando, estou chegando ao orgânico alento.
O rosto queimado, o suor e a fatiga
Quero um canto de paz, sem vozes atrozes,
Sem rimas antinas.

Hoje pego o trem, hoje pego trem
Estou fugindo da terra dos homens, da força gravitacional.
Cansei da limitação dos que não voam, do real - saberei o que há em Marte
Sou metafísico, imaterial, sou Hembrandt, sou Arte.

Ouvi seres gritantes, ouvi o brado dos bons!
Não estamos em paz com esta nova guerra
Que se dá no recôndito dos corações,
No foro íntimo da humanidade.

Lutamos por um novo tempo, aniquilaremos a passividade
O que importa deveras é recomeçar e construir novas edificações.
Ouvi guerreiros ardis, logo vem o trem para as estrelas
Do alto da serra, levando os feridos desta nova guerra.

E a reticente primavera breve será cortada
Mas voltará mais forte e bela ano que vem
Se a geração que ora alvorece continuar atada
Desaparecerá com a seca, não alcançará o trem...

Sou um andarilho divagante, um réu de meus ideais.
Vivo cada instante esperando um trem – o trem da salvação
Há tanto que já me perdi, temo em encontrar-me tarde demais,
E receber como pagamento, a grande medida do silêncio e da solidão.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Carta Para Minha Amiga Secreta - Por D. Donson


Querida S.E.A.,

A vida por aqui tem sido razoável. Você sabe que, embora tenhamos ocasião para nos falar pessoalmente, sempre fica faltando algo a ser dito. Nossas conversas vão bem além do cotidiano. Nossas conversas tratam de vida e de universo. Eu adoro nossas conversas! Quão vasto é o mundo e muitas vezes as pessoas apegam-se apenas ao lado superficial das coisas. E as pessoas, as pessoas andam tão confusas que parece um desafio até mesmo existencial viver em sociedade.

Querida S.E.A., não pretendo com esta carta dizer nada que faça muito sentido. Pelo contrário, apoiando-me nessa falta de nexo e de compreensão que muito me envolve é que decidi te escrever. E também não pretendo provar nada. Não quero assumir uma postura, você sabe. Me recuso a fazer uma escolha, não agora. Na verdade, no fundo a gente só está querendo provar para todos que não precisamos provar nada pra ninguém, não é? O que a gente quer é desabrochar de uma forma ou de outra.

Você sabe, S.E.A., abrir os olhos para o mundo é coisa vital para nós. Eu não suportaria nunca ser preso ou viver todos os meus dias neste mesmo lugar. Não que eu não ame as minhas raízes, não que eu não valorize cada centímetro destas paredes. Mas às vezes precisamos migrar, precisamos do calor de outros campos, precisamos do cheiro de terra fresca, precisamos do perigo que nos oferecem os nossos predadores. Porque sem eles, os predadores, jamais conheceríamos o tamanho e a extensão de nossas forças.


Sim, minha cara. Você, mais do que ninguém, sabe que o que eu falo não é o que eu falo e, sim, outra coisa. E estas palavras, na verdade, escondem outras. Mas você sempre foi boa e sensível para ler as entrelinhas, por isso, não me preocupo com outros possíveis leitores que eu jamais poderei supor. Eu realmente não sei porque, S.E.A., às vezes o que vemos quase ninguém vê. É sempre um jogo tão duro. É como estar ilhado, é como sentir solidão no meio dos outros, não é? Mas também não procuramos ninguém igual a nós. Estamos sendo tão tolerantes e tão compreensivos que até parecemos ingênuos embevecidos pelo delicado gosto da descoberta.

Eles confundem nossa tolerância. Confundem nossa simpatia com ingenuidade. Daí, quando mostramos que somos pensantes e, com ou sem humildade, cheio de opiniões, eles se assustam. Não sei porque escrevo. Acho que sobrei nesta noite e, pelo menos nesta noite, não há lugar confortável para mim. Mas olha, tenho andado com fé, viu? Os dias estão muito estranhos, tem noites que não durmo bem. Sinto gosto de uma nostalgia na boca, como saudade daquilo que a gente não viveu. É como se eu fosse bem mais velho. Tenho apenas 20, mas estou assustado. “Ontem de manhã, quando acordei, olhei para vida e me assustei: eu tenho mais de 20 anos”. Hehehe.

Ainda assim tenho andado com fé, como você me recomendou. Acho que é esse fogo, esta utopia, este total desprendimento que sinto pela idéia do fracasso que me motiva. Eu sinto que não seremos derrotados, tampouco irão abarcar nossas ideias. Sinto que não somos do tipo que se adequa ou se acomoda com o tempo. S.E.A., somos imparáveis! E é isso que vamos levar, ou que vai nos levar sempre adiante. A resposta é e sempre foi o nosso caminho. Continuemos, pois, a olhar para frente, para a natureza que sempre envia consolo, para Deus que nos dá esperança, para o outro que é fundamental para nos suportamos e, sobretudo, para nós. Tudo depende de nós. Andando com esta fé que jamais costuma “faiá”!!! De qualquer luta ou descanso, nos levantaremos fortes, ávidos, obstinados e belos como cavalos novos.


Cheers,

Dani


sexta-feira, 3 de julho de 2009

Acerca da vida plena


"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta do passado, que o que mais queremos é sair do sonho e voltar no tempo. Sonho com aquilo que quero. Sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela só tenho uma chance de fazer aquilo que quero. Tenho felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas. O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. E a vida não é de se brincar porque em um belo dia se morre”.

Clarice Lispector – do livro A Descoberta do Mundo
Foto: Célie e Natie, do filme A Cor Púrpura

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Dia de luz, festa de sol! Por D. Donson


Eu despertei na manhã do dia 30 com o coração muito do alegre. A música que vinha na minha cabeça, se não me engano, era Thank U, da Alanis. Esta música acabou se tornando trilha para o momento que estou vivendo. Momento de busca, de retomada de planos antigos, bem antigos, mas que tornaram a pegar fogo. It burns, you know?

Juro que dentro de mim eu tinha uma certeza indescritível de que tinha passado na entrevista para o ICP da Disney. Certeza + falta de provas: Fé. Fui exultante para o estágio. Olhei o céu, cantei bastante. As pessoas pensam que sou louco só porque não sou tímido. Eu não canto tão alto em público, canto para mim. Elas se escandalizam, mas eu nem ligo...hahaha. Cheguei ao centro da cidade, olhei o céu, o sol e a natureza: era um dia importante e aguardado.

Entrei dentro de uma grande Igreja Católica (mesmo sendo protestante rah!) e disse (não para aquela imagem que vi, mas para algo além do teto): “Sir, you know how long I´ve been waiting for this momento. Give me what I´ve been looking forward. Make it come true, mr. Jesus, and I´m sure I´ll be a good boy (olha a barganha)...hahaha. I know that´s finally my turn. I´m wiser now, I´m not so foolish as I used to be. So, make it come true!”.

Maduro o suficiente para não chorar caso eu não passasse, cheguei no prédio em que trabalho. Estava sem net em casa estes dias. Liguei o computador. Entrei no site. Digitei meus dados. Fiquei pensando por cerca de 5 segundos antes de apertar o enter. Como eu imaginava, eu tinha passado!!! E foi muito bom. Você pode imaginar o que é a expectativa de realizar um sonho com mais de 5 anos de atraso.

Agora, falta a fase final. E estou ficando muito do esperto, lendo tudo o que posso, munindo me de informações que vão me ajudar a passar. Se eu puder mostrar a eles quem eu sou e o quão isso será importante para mim, sei que serei aprovado. Não sei onde tudo isso vai me levar, mas irei até o fim! E se eu errar, se eu falhar, prometo começar tudo de novo – incansável, ‘unstoppable’ e indesistível.

É isso aí. Tudo tá valendo muito a pena. Só o estado de espírito em que a gente é colocado já vale a pena. Isso é só o começo, keep in touch!! :D

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A Jornada É O Caminho


“Life´s like a box of chocolates; you never know what going to get” – Forrest Gump.


Esta frase clássica que jamais esqueci do livro de Winston Groom é a mais apropriada para descrever este momento. É incrível esta capacidade que os seres humanos possuem de rapidamente criar novos sonhos que motivem suas vidas. Comigo é assim. Costumo dizer que meu caminho é caminho e não destino propriamente.

Foi assim que, em um momento normalíssimo do cotidiano, fazendo pesquisas rotineiras por work and travel, me cadastrei no site do STB. Eu realmente achei os preços elevados demais e continuei minha pesquisa. Até que de repente, não mais que de repente, eu abro minha caixa de e-mail e vejo o convite para trabalhar na Disney.

Eu nunca desejei obstinadamente conhecer a Disney. Sempre achei um templo do consumo. Assim como, a princípio, eu posso parecer muito mais idiota do que realmente sou, eu encarava a Disney como um destino turístico igual a qualquer outro. Não sabia, porém, do caráter até mesmo altruísta da Diney. Não sabia que era possível se vender sonhos.

Ora, compram-se tantas coisas... que mal há em comprar sonhos? Humildemente comecei a me despojar dos preconceitos sobre a Disney. É que estou numa profissão muito ludibriadora, além de mal paga. Quase todos se tornam um pouco pretensos a intelectuais depois de estudar um pouco a escola de Frankfurt e a Teoria da Comunicação (heushuehuse).

Alegria, às vezes, é coisa séria. Comecei a conhecer a fundo o valor desmesurado que a Disney dá aos seus Guests, a forma como ela planta sonhos e o modo como administra esse imaginário – sobretudo nas crianças – há tantos anos. Posso dizer que sou um Disney Freak recém nascido. E que, mesmo que não seja desta vez – o que, acredite, estou muito certo que será – eu tratarei de visitar a Disney de alguma forma.

E isso tem permeado meus pensamentos...hahahaha. No estágio, na academia, na faculdade, na hora de dormir... pasme. Mas sempre faço um pouco de meditação porque a gente pode escolher no que pensar. Fiz a entrevista com o STB no último dia 27. Fui o primeiro a ser entrevistado. Eu e a Bárbara Mecca. Ela é um freak autêntica, sabia tudo de Disney. Uma menina super bacana, bem-humorada e usava um casaco vermelho que lembrava as meninas canadenses (heushues).

Foi uma aventura. Eu escrevi no papel todos os metrôs que eu deveria tomar. A última vez que fiz isso foi para comprar os ingressos do show da Alanis no Brasil. E tinha dado certo. Não poderia haver intempéries. Eu iria perder o primeiro ônibus para São Paulo não fosse a grata carona do mr. Antônio que me viu andando sozinho pela madruga e, por coincidência – ou não –, iria passar em frente à rodoviária. OoOh gente de coração! rsrs

Para mim tudo soou como sinal. Tudo deu certo até aqui e não sou uma pessoa de sorte. Acredito que quanto mais trabalho, mais sorte tenho...hehehe (nunca ganhei uma rifa). Mas enfim, os metrôs estavam lotados, era horário de trampo daquelas pessoas que pareciam apressadas. Outras liam livros, outras me olhavam como forasteiro, mas eu não tinha sotaque – só uma folha sulfite na mão e algumas dúvidas sobre onde descer.

Desta forma, assim, muito no improviso e na sorte, cheguei até a palestra. Muita gente bonita e bem vestida, gente até de social. Pensei que deveria ter ido de social. E aquela minha timidez ousada, aquela timidez que diz “se você vier falar comigo, eu falarei bastante contigo. Se não vier eu também não vou” tomou um pouco conta de mim. Mas foi muito passageira porque logo conheci Bárbara e pessoas de outros estados como o Sadia e foi fácil superar isso.

Vencido essa barreira, vieram as dúvidas quanto à entrevista, quanto ao meu inglês que é um pouco charlatanismo e talento de minha parte, pois nunca passei grandes períodos em escolas de idiomas. Apenas sempre gostei de estudar línguas. Mas eu disse: “Não posso repetir o resultado dos Youth Ambassators quando eu tinha 15 anos. Preciso provar que sou plenamente capaz, afinal, ninguém ali nasceu com dois cérebros”.

E desta forma me enchi de autoconfiança. Acredite, muitas vezes, a gente só tem a cara, nada mais. A gente não tem carro, não tem poupança, não tem nada para provar que somos bons: só a cara. E a cara é tudo que eu sempre tive, né? Por isso, nem fiquei inseguro, fui com muita coragem e cara. Acho que o resultado foi bom. Eu consegui transmitir o que eu pretendia, eu dei o meu melhor de forma transparente.

Mas foi tudo no escuro, vamos ver os resultados! Mas como eu disse, tem uma voz que canta bailando no ar, que traz certo frisson de realização. Esta voz diz que já era tempo de, com ou sem ironia, acertar o alvo e alcançar o sonho. Por que às vezes a gente está nu e o sonho é tudo o que nos reveste. E a realidade eu atinjo através dos sonhos. É assim que os sonhadores fazem, é assim que nós fazemos!

As dreamers do, we´re wishing upon the stars, we´ll get there, doesn´t matter what happen!

“Ain´t no mountain high enough
Ain´t no valley low enough
Ain´t no river wide enough
To keep me from Disney and make it come true, baby”.




Have a magical days!! All the very best!! Never stop to walk!!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Frisson de Nova Fase - Por D. Donson




“As cores tem um outro tom, os nomes e pronomes outro som. A sua presença é um dom revelando tudo que é bom”. Pego carona nesse verso do Kid Abelha para expressar esta nova fase de minha vida que, embora anônima, é tão divertida e cheia de novidades. Hehehehe.

Veja, é impressionante esta capacidade quase tecnológica que as pessoas têm de formatar sentimentos e começar tudo de novo, como se nada tivesse acontecido (hehehe). Isto é ótimo! Sabe porquê? Desta forma, cumprimos os conselhos do grande filósofo (risos) Clodovil Hernandez que disse uma vez que jamais deveríamos mendigar afeto a uma pessoa que nos despreze. Esta pessoa, segundo ele, deveria morrer para nós.

Além do mais, é tão bom se ver livre de uma velha roupa descolorida e desbotada, não é? O algodão novo, a dobradura impecável, o cheiro de alfazema de uma nova peça causa até uma melhora na autoestima. E essa estima deve ser sempre colocada em primeiro plano porquê importa muito pouco o que pensam sobre nós: mais importante é o que somos realmente.

E o que somos também é mistério para nós. Um doce mistério que vamos tentando viver sem entender – da melhor forma possível. Se acabar o mistério, acaba também a graça. É sempre muito complicado e muito diferente; além de ser um tremendo desafio costumizar a felicidade da maneira que achamos que ela tem que ser.

Talvez o segredo maior e inviolável de todas as pessoas é que elas não suportam a felicidade tradicional e pré-estabelecida. Cada um procura singularizar esta coisa a que chamam “felicidade”. Mais do que isso: cada um quer dar nova conotação ao ato quase involuntário que é ser feliz.

Estou sendo feliz neste instante porque me recuso a ser sempre triste. O momento seguinte, porém, é uma eterna inquietude descompromissada, uma vontade de mudar de caminho, um pouco de insatisfação consigo próprio e com os outros. Isso é sintoma de que sou humano: esta forte incapacidade de ser constante. Contudo, este momento é tudo o que me importa, embora eu espere e aposte muito em um futuro promissor e em uma vida que, acredito, será longuíssima e cheia de... Novidades.

No fim, se o mundo girar rápido demais e o tempo passar esfuziante, mais rápido e frenético do que já tem passado, tudo que eu peço é um local bem bonito... um lugar de repouso e conversação, com sombras refrescantes, árvores, muita gente alegre, sorridente – adoro gente boa reunida – e muita descontração. Quero um lugar onde eu possa ficar bem satisfeito com todo o amor que sinto, com todo o Deus que também sinto em mim, com todos os meus livros, discos, amigos e só isso. Nada mais. Hehehehe.

Let´s know what´s love!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Amizades Sinceras - Por D. Donson


Resolvi que falar é necessário. Melhor, externar é necessário. Faz dias que vem neveando algumas idéias na minha cabeça; elas estão lá, o tempo todo. Incansáveis. Estive pensando o que significa Amizade. Muito, muito complicado definir. Sei de uma coisa: poucos realmente são nossos amigos.

Pensei, pensei. Quem poderia me dar a mão no momento de sufoco? Quem confiaria em minha mão e a solicitaria em um momento de sufoco? Sobraram poucos dedos, sobrou menos de uma mão. Lembrei do que a Clarice disse no livro A paixão segundo GH: “A maioria das pessoas que gostam de nós quer que sejamos alguma coisa de que elas precisam”.


Não muita gente precisa de mim; eu também vivo bem embora precise de ajuda. Até minha referência maior de amizade ultimamente tem dado pisadas seqüenciais, atrozes – e eu tenho relevado em nome de alguma coisa chamada amizade. Imagino que amigo seja algo que vai muito além de alguém com quem compartilhamos nossas vivências e experiências. Alguém que chamamos parar rir, para se divertir e descontrair.

Amigo também segura nossa barra, divide as frustrações e, sobretudo, nos corrige ou tenta nos apontar o caminho. Amigo de risos eu dispenso. A não ser o efêmero momento do riso que é bom para todos. Mas a angústia, a angústia a gente acaba tendo que segurar sozinho e no escuro. E não estou inspirado para falar tudo quanto é necessário. Se eu falasse o que observo no comportamento das pessoas e, particularmente, no meu, o mundo se escandalizaria.

Preciso me controlar. Mas juro que o que eu realmente prezo é pela transparência. Odeio egocentrismo, pessoas que só falam de si, pessoas que não tem sensibilidade para enxergar o outro, pessoas bitoladas e alienadas em si mesmo e em suas vidas medíocres. A minha vida, hoje, está medíocre. Medíocre de pessoas, de lugares, de verdades. Medíocre de sonhos, de largueza e, sobretudo, de amor. Mas eu não sou medíocre.

Estou é tentando sobreviver neste emaranhado de sentimentos incertos e de pessoas ainda mais incertas. Mas conservo aquela velharia da infância, aquele bem-querer e aquela facilidade de apego. Isso talvez salve tudo. Estou buscando por um tempo que espero viver. Estou transformando minha realidade conforme o meu desejo de vida.

Estou customizando a vida, do meu modo. Me adequo aos outros? Não. Ninguém precisa me amar, não preciso amar ninguém. Esta é a verdade: me tratando bem já é suficiente. Mas sou tolerante... vou agüentando, até que em um momento quase normal do cotidiano a gente explode a abarca o mundo e as pessoas com ofensas e depois dizem: acalme-se, você está descontrolado. Em síntese, a busca continua: Procura-se uma amizade sincera!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Perdoando Deus - Clarice Lispector


Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.


Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso “fosse mesmo” o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto.


Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.


Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo.


Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva.


Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais.


Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.


… mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele.


É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo.


Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus.


Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
Clarice Lispector em Felicidade Clandestina

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A Dengue como ela é - Por Daniel Donson


Hoje, pela primeira vez, vi o mosquito. Não um mosquito qualquer, mas o ilustríssimo Mosquito da Dengue. Ele repousava calmamente em um vaso de planta, em via pública. Parecia não se sentir incomodado com minha presença. Nem eu com a dele. Mas logo pensei: as pessoas afamam tão mal este mosquito, seria mesmo só culpa dele todo o dano que sua picada causa?


Por desconhecer as características científicas da doença, apelei para Deus, aquele que tudo sabe e que jamais criaria um serzinho de tamanha pequenez para dizimar a humanidade. Esta foi a explicação plausível e de pronto fui me simpatizando pela figura do mosquito. O fato é que todo mundo partirá um dia, e o mosquito, com ou sem ironia, apenas antecipa o nosso encontro com o Criador.


Por ser ele uma ponte entre o homem e Deus, não se poderia rebatizá-lo “Mosquitinho Divino”? Afinal, ele não é de todo perverso. Vergonhoso é o comportamento da sociedade que o trata como coisa abominável, traiçoeira e letal. E é mesmo. No entanto, a partir do momento em que temos tantas outras mazelas sociais, culturais e educacionais, Dengue se torna somente um subterfúgio grotesco que distrai a atenção da questão central.


A “questão central” é sempre muito ampla e plural. No Brasil, morre-se muito mais por bala perdida e homicídios e desnutrição e câncer e Aids do que por ação direta do seu Aedes. E Dengue é fruto de falta de formação, de instrução, de habitação digna. O mosquito não pede para nascer – simplesmente aprende a voar.


No fundo o Aedes queria ser parceiro e deixar de picar. Contudo, se isto acontecer, todos passarão a prestar atenção na verdadeira causa da Dengue, que faz parte da “questão central” que fundamenta as disparidades do País. A Dengue é a política e os governantes, a Dengue é a passividade e o egoísmo do povo, a Dengue é o dinheiro roubado e as vidas também roubadas. A Dengue é o mundo.

segunda-feira, 2 de março de 2009

A revolta de um porco pensante - Por D. Donson


Eu sempre fui um porco. Minha mãe, a porca, foi quem me deu a luz. O problema de ter nascido porco é que nunca pude dizer o que sinto para o bicho-homem. Ele pensa que não sei a diferença entre eu que sou porco e ele que é homem grande e que me supera. Claro que sei: bicho-homem fala e por falar demais acha que animal não entende.


No entanto, estou cansado de minha vida de porco. Sobretudo porque metade da minha família já seguiu para o abate e a mim soa solitário meus grunhidos ininteligíveis. Estou com muito medo e muita raiva. A vida toda fui vítima de abuso: só por nascer porco, não significa que gosto de sujeira e de fedor. Só por nascer porco, não sou obrigado a dividir meu alimento com gente que mal conheço. Só por nascer porco, não preciso ser porco literalmente. Céus... Também tenho minhas vaidades. Se bicho-homem não tem respeito pela pessoa de um porco, que dirá então de seus semelhantes?


Confesso que jamais fui com a cara do bicho-homem. Sempre tão arrogante, tão bruto e injusto... Não me lembro de ter visto ele tratar as vacas da mesma forma agressiva que me trata. E minha mãe? Deus a tenha. Foi traumático vê-la na mesa de Natal. Olha, eu vou te contar uma coisa, o bicho-homem é por demais falso. Não dá nada a ninguém – antes toma. E se ganho este monte de comida o dia inteiro, com certeza é porque meu lombo é atraente e saboroso. E me desculpe o desabafo. É que corro muitos perigos, como todo porco que vive e tem ciência de seus direitos.
Pela lei, posso viver até doze anos. É uma infâmia nascer para morrer antes do tempo.


Insisto na idéia de que nós, os porcos, não precisamos morrer tão jovens. Só o homem morre quando quer? É segredo nosso: quando nos matam antes do tempo, fazemos questão de duplicar o colesterol da carne, assim, não tarde, eles enfartam e conhecem o Deus que tudo fez. Outra coisa que discordo, é esta história de Deus deixar tudo na mão de homem, como se nós não pudéssemos cuidar de nossos focinhos.


Juro que tentei ser doméstico, simpático, dócil. Como recompensa, só levei traições e abusos por parte do bicho-maior, o ser excepcional, o ser humano. Eles fazem isto só conosco ou entre eles de maneira geral? Sim, porque entre porcos há união e quando um vai para o forno é tristeza geral. Tanto que quando minha mãe se foi não comemos por quase uma manhã inteira... Vez ou outra há festa na fazenda. É o momento de dura perseguição. Quando matador abre a cerca, não se vê uma viva alma no celeiro. Galinha que é esperta se esconde na palha. Eu tento não fazer barulho, como me ensinou minha mãe.


O fato é que todo mundo aqui está na revolta com esses humanos. Ser bicho não é mais como antigamente: agora eles comem até nossa cabeça. Venho por esta manifestar a insatisfação da classe dos animais. Podem entender como ameaça, esta é a intenção. Se as coisas não mudarem, vamos arrancar bicho-homem do topo da cadeia alimen... Dizia isto o porco quando chegou o tratador e o levou para o matadouro. Moral da história: em terra de homens, a opinião particular de um porco é inconstitucional.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

F.R.E.E.D.O.M. - Show Alanis Morissette 03/02


Os portões se abrem, a multidão frenética começa a invadir o hall de entrada do Via Funchal, em São Paulo - todos voam pelas escadas. Nos rostos desconhecidos, apenas a mesma preocupação extra-humana de pegar o melhor lugar do espetáculo. Sim, todos estavam prontos para receber a cantora canadense Alanis Morissette.


A fila, que começou nas primeiras horas da manhã da terça-feira (3), dia do show, ultrapassava vários quarteirões da capital paulista. Caravanas de diversas regiões do estado se antecipavam no horário para evitar contratempos. E, enquanto esperavam, os fãs, acompanhados apenas por violão, tocavam os grandes sucessos da cantora como Wake up, Ironic, Hand in my pocket e Heads over feets, entre outros.


Depois de muitas horas de espera, finalmente os fãs se depararam com Alanis que começou o show fora dos palcos, cantando atrás do cenário, provocando gritos de ansiedade e histeria. Com seus famosos giros de cabeça e rodopeios de corpo, Alanis deixou a platéia extasiada. A emoção da platéia impressionou a cantora que não teve chance de interpretar uma só música sem ser acompanhada pela multidão.


Em uníssono, a interação superou a casualidade de um show para se transformar num reconhecimento e numa legitimidade que de tão pessoais fizeram do encontro uma tácita afirmação: “Sim, Alanis, sabemos do que você fala. Estamos na sua!”. Assim, depois de uma apresentação cheia de energia e encanto, depois de contaminar a platéia com sua agonia e com sua indesistível força de vida, de repente Alanis despede-se do público com um aceno amistoso e corre rumo a escuridão.


O show havia acabado. Atônita, a platéia se recupera sentada no chão, buscando fôlego e coragem para deixar o ambiente. Alanis ainda reaparecerá no Brasil. Três apresentações estão marcadas para este mês, encerrando a turnê Brasil de seu novo álbum Flavors of Entanglenament: Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
"What goes around never comes around to you". I really love you, Mrs. Morissette*

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Carta de Fernanda Montenegro à Clarice Lispector - 1973





"Clarice,



É sempre com emoção que lhe escrevo pois tudo o que você propõe tem sempre essa explosão dolorosa. É uma angústia terrivelmente feminina, dolorosa, abafada, desesperada e guardada.

Ao ler meu nome escrito por você, recebi um choque não por vaidade mas por comunhão. Ando muito deprimida, o que não é comum. Atualmente em São Paulo se representa de arma no bolso. Polícia na porta dos teatros. Telefonemas ameaçam o terror para cada um de nós em nossas casas de gente de teatro. É o nosso mundo.

E o nosso mundo, Clarice?

Não este, pelas circunstâncias obrigatoriamente político, polêmico, contundente. Mas aquele mundo que nos fala Tchecov: onde repousaremos, onde nos descontrairemos? Ai, Clarice, a nossa geração não a verá. Quando eu tinha quinze anos pensava alucinadamente que minha geração desfaria o nó. Nossa geração falhou, numa melancolia de 'canção sem palavra', tão comum no século XIX. O amor no século XXI é a justiça social. E Cristo que nos entenda.

Estamos aprendendo a lição seguinte: amor é ter. Na miséria não está a salvação.

Quem não tem, não dá. Quem tem fome não tem dignidade (Brecht). Clarice, estou pedindo desculpas por esse palavratório todo. Mas deixe que eu mantenha com você esta sintonia dolorosa dos que percebem alguns mundos, não apenas este ou aquele, porém até mesmo aquele outro, embora não linearmente - como é o caso.

Nossa geração sofre da frustração do repouso. É isso, Clarice? A luta que fizermos, não faremos por nós. E temos uma pena enorme de nós por isso. É assim que explico pra mim frases que você põe no seu artigo: 'Eu que dei pra mentir. E com isso estou dizendo uma verdade. Mas mentir já não era sem tempo. Engano a quem devo enganar, e, como sei que estou enganando, digo por dentro verdades duras.' A luta, a que me refiro lá no alto, seria aquela luta bíblica, a grande luta, a que engloba tudo.

Voltando às 'verdades duras' de que você fala: na minha profissão o enganar é a minha verdade. É isso mesmo, Clarice, como profissão. Mas na minha intimidade toda particular, sinto, sem enganos, que nossa geração está começando a comungar com a barata. Nós sabemos o que significa esta comunhão, Clarice. Juro que não vou afastá-la de mim, a barata. Eu o farei. Preciso já organicamente fazê-lo. Dê-me a calma e a luz de um momento de repouso interior, só um momento.

Com intensa comoção,

Fernanda"

domingo, 28 de dezembro de 2008

Das vantagens de se amar e ser livre - Por D. Donson


Corro muitos perigos, como toda pessoa que vive. Também eu estou vulnerável a todo e qualquer ataque – inclusive do amor. Não posso dizer, contudo, que aprendi muitas coisas nesta vida, porque não aprendi. Apenas finjo ter assimilado a lição para novamente cair nas graças do erro. Só sei de três coisas: nasci para escrever, nasci para ser livre e nasci para deixar a minha marca neste solo – o feto relutante, o feto rebelde que sobreviveu.

Uma vez eu provei da delicadeza da liberdade. Eu nunca soube ao certo o que é ser livre. Foi numa tarde de maio, o sol queimava como em um inferno. Sozinho, casa vazia. Peguei minhas economias – nunca consegui guardar economias – peguei minhas economias e comprei um suntuoso pote de sorvete de milho. Acredite, as pessoas de minha época ostentam certo preconceito em relação ao sabor milho. Eu não as condeno – também eu detinha esta aversão antes de prová-lo.

O fato é que o sabor milho é sim sobrenatural e causa demasiado prazer em quem o prova. Eu, sentando em cima da árvore de meu quintal: eu e o sorvete, nós apenas. Isso era liberdade. Sem receio de ser egoísta, eu provei da liberdade azul, da liberdade primeira que é o ato sem culpa. E a brisa era leve. Os galhos tremeluziam as sombras refrescantes por sobre minha pele. Juro que aos poucos me tornei parte daquela árvore que eu mesmo havia plantado. Já não era mais um garoto com o pote de sorvete: era uma parte da vida íntima da árvore, que hoje é árvore, mas amanhã se torna adubo orgânico para novas árvores. Essa era a lei e deveria ser respeitada.

Foi a única vez que fui livre por completo. Minto. Houve uma outra ocasião. É que certa noite eu olhei para lua e pude ver o que S. Jorge supostamente escamoteia. Foi bem aterrador. Porém não posso contar por uma questão de ética. E também porque ninguém acreditaria na minha versão – ocular – da relação de S. Jorge com o Dragão. Estas foram as vezes em que provei de liberdade, no regalo de uma vida tão singela quanto anônima e voluntariamente solitária.

Nos tempos modernos, nestes dias tão imperfeitos, estou tendo a ousadia de amar. Com muito medo e precaução, mas amor ainda assim. As vezes penso que amar é como tomar sorvete de milho: não há contra-indicações, mas o excesso pode estragar a saúde. Por isto, tenho tentado amar aos poucos para não sufocar e não causar dano aos pulmões.

É bem verdade que amar é estar preso a uma liberdade que só é válida agora e que expira no instante seguinte. Para não correr mais este risco, criei a “máquina do amor”, um arquétipo ainda em fase de experimentação, mas que serve para produzir afeto por tempo indeterminado - pode sempre ser desligado - ao bel-prazer de seu usuário. Esta máquina revolucionária é capaz de produzir toneladas de amor, o que fomenta a sensação de liberdade do usuário.

Eu particularmente tenho medo da máquina. Eu, que sempre quis esticar um pouco mais a liberdade, vejo que posso estragar tudo com este protótipo. É que em matéria de amor, não é possível usar de fórmulas ou cálculos. Amar é uma soma de incompreensões mútuas. Deste modo, concluo que ser livre não é compatível com o amor. Ser livre é viver e morrer de forma alternativa e despojada, enquanto que amar é estar acorrentado a uma alma, é sentir prazer em apertar os grilhões a cada dia para estar mais perto: é ter os lábios inchados por não querer separar a boca...

Eu, que nunca me habituei a mim, desconfio que acorrentando minha alma a de outrem, poderei driblar todo o sistema e ser livre. Sim, claro, amar e ser livre seria meu golpe final, meu grito irônico de vitória sobre a vida e sobre os seres rastejantes que se recusam a amar, mas amam o cativeiro. Pois eu, sem modéstia, escolho a melhor parte de tudo. Quero viver um grande amor. Sem datas obsoletas ou prazos de validade, mas que ele seja grande, maior do que eu e me ultrapasse e me transcenda. Porque estou vivo e reivindico minha liberdade e minha fuga. Enquanto eu respirar, prometo que amar e ser livre serão coisas emergenciais.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Para Barack Obama, Presidente.


Querido Obama,

Esta carta é como outra qualquer. Mas gostaria que fosse lida apenas por pessoas de alma já formada. Pessoas que ainda não foram violadas pela torrente de opiniões superficiais e heterogêneas a seu respeito. Não que eu queira defender uma verdade absoluta. Desejo somente usar de democracia para, com jubilo e ironia, expor meu humilde ponto de vista. Peço-lhe licença, despojo-me de toda eloqüência para, de pés descalços, falar o que alguns já suspeitam: os negros estão mudando de armas, estão tencionando reformas.


Em criança, confesso que sempre me perguntava se havia tomado sol demais ou se o Deus havia me pintado para desta forma facilitar a localização. Cresci e vi que as cores são irrefutáveis. Que fazer de minha cor, então? É fato que cada cor remete a um sentimento, um estereótipo. E, como na política, é necessário mais do que força de espírito e intrepidez para romper com estruturas errôneas a fim de instaurar novos modelos.


Um novo modelo. Insólito até, mas novo. Você cheira coisa nova, Obama! Daí toda esta inquietação, estes comentários sorrateiros e em si mesmos tão incertos. É que de repente descobrimos que tudo que dizem a respeitos dos negros não procede – não que acreditássemos nos outros, mas não acreditar em si já é prejudicial. Sua eleição foi uma espécie de alforria ideológica.


Sei que não ostentas bandeiras raciais, tampouco é o messias dos pobres e pretos e oprimidos. Também eu luto por coisa maior que cor, que sentidos: o que quero ainda não tem nome. O lado sublime de sua eleição, no entanto, foi ver o declínio da obviedade, pois toda obviedade é burra. Mas até você já percebeu quão raro é ter um negro no comando. Neste continente, isso é choque cultural.


O que ficou claro para mim é que não existe predestinação. Devemos sempre trabalhar com a probabilidade do êxito. Ficou claro também que podemos, com louvor, exterminar qualquer resquício do cativeiro em que fomos um dia submetidos para abrir largos espaços na vida. Grande estrategista que você é... fez da honestidade uma arma ardilosa contra seus acusadores, e da inteligência a premissa básica para articulação da paz.


Em suma, Obama, bom é não estar inerte frente a nossa função cosmopolita de agregar ao mundo. Cada qual a sua maneira, procura juntar alguma coisa que era essencial e não se sabe onde foi perdida. Sei que você também não acredita naquela máxima de que “todos somos iguais”. Não. Reconhecer a pluralidade humana já é um passo rumo à humanização. Somos iguais apenas em termos de potencialidades – assim como Michelle, esta sua esposa que é obstinada e decidida, um exemplo para as mulheres.


Sobre os negros sinto renovo geral. A dívida é alta, os juros também. Ainda assim regozijo com a vitória declaradamente incolor, certo de que podemos perdoar as dívidas históricas se nos oferecerem contrapesos. Devemos estar abertos ao diálogo, não é? Afinal, ninguém pretende provar nada, embora, no meu caso, haja aquela revolta quase infantil de ter sido roubado ao nascer. O que se pretende, deste modo, é recuperar uma dignidade e um respeito que, uma vez encontrados, juro por Deus, são capazes de destronar reis e presidentes, principados e potestades.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Presságios da estação - A descoberta do mundo - Clarice Lispector


Celie e Nathie, do livro e do filme A Cor Púrpura.

“Celie, é impossível o cê passar pela cor púrpura e não saber que Deus é isso daqui. Deus é as flor e as árvore, Celie, Deus é o mundo”.



Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.

Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio
pólen, sinto frisson à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronto para recebê-la.

Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria; aceito a possibilidade do grande Outro existir apesar de eu ter rezado pelo mínimo e não me ter sido dado.

Sinto que viver é inevitável. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar, pois é no sangue que sinto a primavera. Dói. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O preço da honestidade - Por D. Donson


Uma vez, ele mostrou o dedo do meio para o mundo. Foi a resposta possível a anos de maus tratos e injustiças. Tinha por volta de 60 anos naquela época, mas já estava enfastiado de tantos desaforos e insultos à sua vaidade intelectual e, sobretudo, à sua honestidade irrepreensível, conquistada ao longo de décadas. Sim, ser honesto trazia um certo gozo de gratidão dos outros para com ele. Todos pareciam admirar-lhe por ainda conservar um nome sem restrições, uma trajetória sem mácula, abdicada. Por vezes, se sentia pleno de uma inocência quase infantil, de uma singeleza descompromissada: a doce burrice dos que recusam a corrupção cotidiana. Era retirante, o que, em uma terra de paulistas, era motivo de morte. Vivia bem com isso, apesar de.

O nome era José, é claro que era José, se tratava de um homônimo por natureza. E a vida, aparentemente, estava boa. Na verdade, José era um eterno gerúndio, sempre indo, suportando, acreditando – morrendo também (de fome), mas desconsiderando a parte negativa do processo. Talvez fosse o que se chama de bobo, estúpido, por não compartilhar dos mesmos ideais e atividades econômicas ilícitas dos seus vizinhos de favela. Pobreza de espírito, isto não possuía. Se não roubava, nem matava, nem se prostituía era tudo voluntariamente, por amor à pátria. Afinal, mesmo a mais infeliz das existências têm seus momentos luminosos e suas pequenas flores de ventura a brotar por entre a areia e as pedras.

Não, não se pode dizer, contudo, que era um homem desprovido de sorte. Anos antes, ganhara muitos cruzados na loto. Comprara uma casa com janelas e portas, comprara também uma mulher branca e bem cuidada; sentia-se abastado e seguro. Até arriscou voltar a estudar, ao menos para poder assinar o nome, que é coisa fundamental. Então, veio o primeiro golpe: tempestade. Como construíra sua casa no alto do morro, acima de toda vizinhança agora ignóbil e desqualificada, uma tempestade de agosto pôs abaixo seu pequeno feudo. Não obstante, mesmo sendo um experimentado na vida, viu inerte seus cruzados desaparecerem depois de uma sucessão de planos monetários. Até aí tudo bem. Tudo bem. Ainda sobrava-lhe a vida.

Mais tarde, depois de construir um novo barraco, sua mãezinha, D. Mocinha – tudo que ela não era –, precisou de arrego. Com uma mala na mão e 78 anos nas costas, veio Mocinha direto de Mutuca, Pernambuco, a São Paulo: pau-de-arara de primeira linha, tinha até lugar para sentar. Uma evolução considerável, visto que já havia vindo a pé. A mãezinha, no entanto, não estava bem de saúde. Depois de uma vida laboriosa lavando roubas no rio, mesmo a mais vigorosa das mulheres se torna reumática. No terceiro dia em São Paulo, atônita, Mocinha conheceu a fila do SUS. Mas como estava cansada da viagem e da espera, a velha sentou em uma cadeira e morreu.

José se indignou e, em cólera, praguejou o governo, o prefeito, o diabo e Deus também. Sabia que o mundo lhe roubava sem parar, de que forma se defender? Assim ele foi passando, indo, divagando... ano após ano, com um bruto grito desarticulado sufocado na garganta. E nunca o vi chorar. A mim, parecia um homem comum, um preto velho e sorridente. Seu comportamento sóbrio e simplista fazia com que ele fosse visto e reconhecido como uma espécie de “cidadão”, uma estirpe subalterna e subserviente. Tudo bem. Até mesmo entre cidadãos há segregação, questão de casta. Mas a inocência primeira de José, com o tempo, foi sendo pisada. E inocência pisada é coisa perigosa, radioativa até.

Tornou-se, com ou sem ironia, a antítese do que sempre fora: O homem honesto e sem mácula, o forte sertanejo passara a ser um subversivo, um reacionário e, finalmente, um ladrão. Afinal de contas, o que se ganha quando se é honesto? Qual a diferença de ser um bandido oficial (como ele) ou um charlatão oficioso (como o prefeito de sua cidade, que não era na verdade sua cidade, mas que pelo menos sua vida deveria preservar)? José cansou da sua função de ser. Ser, nunca lhe rendera a dignidade necessária para comer bem. Ser, como quem nada exige, jamais aquecera seu barraco nas noites frias e taciturnas.

Eis que repentinamente, na flor de seus 65 anos, decidiu começar carreira nova, novas expectativas e promoções mil. Sem tempo para esperar migalhas previdenciárias! Já não havia sentido em conservar aquela honestidade intrínseca ao seu caráter que, como o de todos nós, agora o sabia, é passível de alterações. Pessoas em seu círculo social não mais existiam. Vizinhos logo morreriam queimados por bala ou na fissura das drogas. De tudo, ficaram os traumas de uma gente que não era gente: resto de matéria orgânica que em breve adubaria o solo. E sentimentos... isto era para fracos. Nele não havia mais resquício de sistema límbico. Era um potro jovem, selvagem, ávido por pastos verdejantes, escondido na pele de um preto velho e acabado.

Foi na tarde de um domingo, com um sol infernal a cauterizar o morro, que José resolveu se autopromover. Já estava farto do salário de seu trabalho enquanto desempregado vitalício: a grande medida do silêncio e da solidão. Sem ao menos o alento de um televisor (a cores ou não), José vendeu seu barraco em pedaços, a preço de barraco mesmo. Com relativo dinheiro, tomou o metrô, foi até o centro, comeu tudo quanto pode, inclusive um creme para mãos que há anos desejava saber o gosto – marca famosa. Tanto se lhe havia perdido... O problema de um dia ter tido dinheiro e belas mulheres em seu pseudo-feudo é que não se conformava com o regresso à suas origens.

E também porque desconhecia suas origens: era um aborto que, teimoso, havia sobrevivido. Com olhos obstinados e sedentos por vingança, José adentrou na prefeitura de São Paulo. Na ocasião, o prefeito sorteava casas em um grande salão, repleto de pobres. Sorrateiramente, José se infiltrou no palco, até estar frente a frente com um de seus abusadores: o prefeito. “Vim buscar o meu prêmio”, dizia ele, irônico, com uma peixeira de caboclo nas mãos. Os lábios do excelentíssimo reverberavam de horror. “No seu caso, como vejo que você está necessitado, lhe darei uma casa de presente. Mas abaixe essa faca”, dizia, com a falsa impostação própria de todo político que vê na palavra oportunidade do lucro.

José, o inquisidor, agarrou o prefeito com sua peixeira à vista, causando pânico e gritaria no local. Mas a gritaria não era de repreensão. “Pega ele, pega ele. Chama nóis aqui pra dá 30 casa!”, dizia, rebelde, a multidão. José, por sua vez, não estava preocupado com os interesses da deles. Queria somente o seu prêmio. Prêmio por ter sido honesto. E naquela altura já não estava preocupado sobre o que pensariam dele, pois a maioria das pessoas que nos querem bem quer que sejamos alguma coisa de que elas precisam. Tornara-se um animal com sua presa. A desumanidade provoca certos delírios de liberdade em alguns... Para ser livre, seria imprescindível ser bicho?


Ali estava José, sendo finalmente enxergado. Ele, em um corpo que não mais lhe pertencia, pois ultrapassara as fronteiras de sua existência limitada. Já não era mais anônimo, embora houvesse ainda muitos outros Josés. A sua glória, porém, era de José-sequestrador-do-prefeito, o que lhe trazia singular distinção. Inebriado pelos holofotes, sem o prêmio, José deu o primeiro golpe na garganta do prefeito, que era para calar quem sempre pode falar. Um êxtase. E já que não haveria prêmio pela sua honestidade, pelo menos seu grito de revolta faria ser conhecido e respeitado. E todos ouviram, até a polícia, até a morte manifestou-se: duro, ereto e decidido, José levou muitos tiros antes de cair no chão.

A vingança possível estava concluída. E o José ainda mostrou o dedo do meio para os presentes, num gesto de profundo desprezo pela... pela vida? Não sei. Mas era desprezo reprimido, porque vinha como uma torrente de água fluindo pelo corpo esquálido do preto velho. José, que sempre quis parecer gente, recebeu em si o prêmio por uma vida inteira de honestidades e camaradagem. Corpos no chão, populares curiosos, sangue que não se misturava por questões gênicas. Quem era o réu, quem era a vítima? De quem era o prêmio e a bonificação? O fato é que José criou seu Deus particular, à imagem e semelhança do que precisava para finalmente dormir tranqüilo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Um apólogo - Machadito


UM APÓLOGO
ERA UMA VEZ uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo? — Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou.
— Mas por quê? — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana
— para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano.
Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?
Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!