quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Tempo de reinventar verdades - D. Donson

A tarefa de se reinventar é, por vezes, um ato solitário. Sinto em silêncio o peso dos anos que já vivi e a força do futuro à minha frente, a brutalidade com que ele se levanta rompendo a terra em vertigens vulcânicas. Ele me força a ser mais forte do que eu para me render a ele, para realizá-lo, o futuro. Eu, que jamais tive a chance de errar. Eu, que quase sempre pego no último segundo o trem que me leva aonde preciso.

Nesses dias de dezembro sinto minha respiração sôfrega, uma ansiedade que não exprimir senão através de um olhar distante para os prédios da cidade. Madrugadas insones. Eu os olho, mas não os vejo. Eu me olho, mas não me percebo aqui. Não faço parte. Não sou de ninguém, ninguém me precisa --- mas eu. Eu me preciso. E é isso que me leva adiante.

Creio que no fundo haja qualquer coisa de imortal em mim, pois a vida que corre nas minhas veias é de uma insistência irritante. Deve ser o deus ancestral que, certamente, é negro e fosco e forte como meus antepassados. Deus tem a pele negra e fosca, é nessa truculência de vida obrigatória que forjaram meu nascimento. Eu, o intempestivo, o anjo demoníaco, mas por vezes só anjo. Bem e mal, isso não deve parar nunca...

Sobre amores, eu os sei bem. Tenho errado tanto em matéria de amor. A sorte é que esse erro em nada afeta minha missão maior. Sou incumbido de qualquer coisa que envolve o amor, contudo não o banal. O amor de corpos é a separação. O amor de corpos é orvalho que derrete - não, não dura até a manhã seguinte. No entanto, aceito também esse amor, assim como aceito todas as fases da natureza que se reproduz em mim, em nós. A natureza que é o Deus - não há dúvida.

Mas tenho buscado nesses dias, sobretudo, me amar profundamente. Tenho buscado me respeitar mesmo nas minhas mais longínquas falhas. Pois foi das falhas que muitas vezes se levantaram, poderosas, as minhas mais secretas e diabólicas esperanças de vida, de ressurgimento. O dever de continuar lutando. O dever de ir até o fim.

Foi a minha revolta que produziu produziu um homem bom, socialmente aceito. Mas que guarda o seu potencial criminoso a nove chaves, em segredo cabalístico que levarei para o túmulo. Tudo o que eu poderia ser e não ouso contar, mas só na arte terei a chance de ensaiar.

Eu poderia ser tudo para vocês, é realmente lamentável quem não quer receber o amor que eu dou - é do tipo mais puro, colhido em fonte tão rara que sua essência humana e prodigiosa não tem preço. Do tipo que não se ufana. Esse é o amor que tenho para dar. Esse é o amor que poucos querem receber. O que fazer com meu amor em gaveta é outra tarefa para qual me sinto incumbido. E irei aonde for preciso para observar como se opera o amor que tenho para oferecer a algo/alguém que suporte recebê-lo.

Momentos decisivos. Os próximos anos da minha vida cronológica serão decididos nos próximos meses. O país que devo morar, a vida que devo levar, as pessoas que devo encontrar. Digo 'anos de vida cronológica' porque na verdade vivo mais rápido que o relógio, não o acompanho. Devo me transmutar muitas vezes antes de morrer, esse é meu segredo de vida. Eu vivo bem mais do que vivo, mas com a graça espontânea de quem não sabe que para tudo existe um fim.

Vou parar por aqui. Eu preciso aprender a concatenar minhas ideias antes de me colocar frente à máquina. É que minha escrita é por vezes vômito necessário. Preciso escrever para não sufocar de palavras nunca ditas a mim mesmo. Quando as digo, aprendo, aceito, libero. É o que chamo de registar o andamento das coisas. Quem eu sou agora é a mesma pessoa que eu serei amanhã, só que completamente diferente.

Tout de suite dans l'avenir.

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