quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Tempo de reinventar verdades - D. Donson

A tarefa de se reinventar é, por vezes, um ato solitário. Sinto em silêncio o peso dos anos que já vivi e a força do futuro à minha frente, a brutalidade com que ele se levanta rompendo a terra em vertigens vulcânicas. Ele me força a ser mais forte do que eu para me render a ele, para realizá-lo, o futuro. Eu, que jamais tive a chance de errar. Eu, que quase sempre pego no último segundo o trem que me leva aonde preciso.

Nesses dias de dezembro sinto minha respiração sôfrega, uma ansiedade que não exprimir senão através de um olhar distante para os prédios da cidade. Madrugadas insones. Eu os olho, mas não os vejo. Eu me olho, mas não me percebo aqui. Não faço parte. Não sou de ninguém, ninguém me precisa --- mas eu. Eu me preciso. E é isso que me leva adiante.

Creio que no fundo haja qualquer coisa de imortal em mim, pois a vida que corre nas minhas veias é de uma insistência irritante. Deve ser o deus ancestral que, certamente, é negro e fosco e forte como meus antepassados. Deus tem a pele negra e fosca, é nessa truculência de vida obrigatória que forjaram meu nascimento. Eu, o intempestivo, o anjo demoníaco, mas por vezes só anjo. Bem e mal, isso não deve parar nunca...

Sobre amores, eu os sei bem. Tenho errado tanto em matéria de amor. A sorte é que esse erro em nada afeta minha missão maior. Sou incumbido de qualquer coisa que envolve o amor, contudo não o banal. O amor de corpos é a separação. O amor de corpos é orvalho que derrete - não, não dura até a manhã seguinte. No entanto, aceito também esse amor, assim como aceito todas as fases da natureza que se reproduz em mim, em nós. A natureza que é o Deus - não há dúvida.

Mas tenho buscado nesses dias, sobretudo, me amar profundamente. Tenho buscado me respeitar mesmo nas minhas mais longínquas falhas. Pois foi das falhas que muitas vezes se levantaram, poderosas, as minhas mais secretas e diabólicas esperanças de vida, de ressurgimento. O dever de continuar lutando. O dever de ir até o fim.

Foi a minha revolta que produziu produziu um homem bom, socialmente aceito. Mas que guarda o seu potencial criminoso a nove chaves, em segredo cabalístico que levarei para o túmulo. Tudo o que eu poderia ser e não ouso contar, mas só na arte terei a chance de ensaiar.

Eu poderia ser tudo para vocês, é realmente lamentável quem não quer receber o amor que eu dou - é do tipo mais puro, colhido em fonte tão rara que sua essência humana e prodigiosa não tem preço. Do tipo que não se ufana. Esse é o amor que tenho para dar. Esse é o amor que poucos querem receber. O que fazer com meu amor em gaveta é outra tarefa para qual me sinto incumbido. E irei aonde for preciso para observar como se opera o amor que tenho para oferecer a algo/alguém que suporte recebê-lo.

Momentos decisivos. Os próximos anos da minha vida cronológica serão decididos nos próximos meses. O país que devo morar, a vida que devo levar, as pessoas que devo encontrar. Digo 'anos de vida cronológica' porque na verdade vivo mais rápido que o relógio, não o acompanho. Devo me transmutar muitas vezes antes de morrer, esse é meu segredo de vida. Eu vivo bem mais do que vivo, mas com a graça espontânea de quem não sabe que para tudo existe um fim.

Vou parar por aqui. Eu preciso aprender a concatenar minhas ideias antes de me colocar frente à máquina. É que minha escrita é por vezes vômito necessário. Preciso escrever para não sufocar de palavras nunca ditas a mim mesmo. Quando as digo, aprendo, aceito, libero. É o que chamo de registar o andamento das coisas. Quem eu sou agora é a mesma pessoa que eu serei amanhã, só que completamente diferente.

Tout de suite dans l'avenir.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Respirar o mundo, inspirar a vida - D. Donson




Eu começara de repente a imaginar que para todas as coisas havia uma voz oculta e somente perceptível aos ouvidos do coração. Um sentido secreto. E se aproximar desse sentido seria a missão de toda uma vida.

Coloquei os patins, fazia um frio agradável e reticente, o último suspiro do inverno que perdia a força. O céu era denso e cinza como uma cortina que tapa o brilho real da noite. O vento entrecortava minha boca como lâminas suaves, chegando apenas como leve brisa no interior da alma assustada.

A música transladava. As experiências de movimentos, pouco a pouco, me enchiam de uma graça que só na infância, só na infância eu havia sentido. Eu era a música, eu era o objeto que se unia ao vento. Não, não contra ele, mas a seu favor, eu me deixava levar para sentir a respiração do mundo, o vento era o hálito fresco de toda a Terra sob a qual eu deslizava.

E eis que, para a minha surpresa, lá estava uma quadra toda vazia, cem metros só meus, para meus compassos, quedas e saltos, como nunca antes, eu tinha a quadra para brincar sozinho.

Era para me fazer feliz que uma quadra toda vazia fora deixada naquele parque aberto até tão tarde.

Era para me fazer feliz que, exausto, eu me deitava naquele chão de cimento gelado onde o céu me fizera tão pequeno, e, em silêncio, eu era capaz de ouvir a respiração do mundo, o balançar das árvores, a eternidade do instante que jamais eu tornaria a viver.

Era solitário sim, não podia compartilhar. Era um prazer novo, o de respirar sozinho o mundo, mas ainda assim um prazer. Com a essencial medida de endeusamento que só os prazeres podem dar ao homem.

Foi então que não suportei mais. Não poderia mais ficar um minuto sequer com o peso daquela felicidade estranha e aguda. A felicidade-sem-motivo começara a me incomodar como um chiclete nos cabelos: não me pertencia.

Foi então que entendi: a moderada tristeza me era um estado primordial, ela me trazia a lucidez necessária para uma vida sóbria, como um café gelado que, se levado a boca, é o prenúncio do fim de uma conversa muito enfadonha com uma pessoa.

Foi então que tirei os patins, cansado, corpo exaurido, passos de uma pessoa que jamais tivera a pretensão de ser algo muito além do que uma pessoa. Missão tão grande e delicada que passa desapercebida pela vida, o dever de ser uma pessoa.

Mas eu sei que dias e noites virão em que eu, novamente, terei que me libertar das amarras e parar... ouvir, sentir a vida que acontece, o ano de 2012, o dia 21 de setembro, isso era eu, isso era o meu tempo que transcorria. Tic, tac, tic, tac. Não havia volta. Outros já haviam tido o seu tempo, mas esse era o meu. O que fazer? Como eternizá-lo?

E nada duraria, nada duraria até o instante seguinte. A sorte, a sorte é que tudo se renova na respiração do mundo, o ciclo de minha vida será exato e inexorável. Eu não viverei nem mais nem menos do que devo, exato como só o é a perfeição da matemática da natureza que eventualmente ouso tocar. E a essa alegria, ninguém pode resistir por muito tempo, ela é tão grandiosa que nos ultrapassa e nos machuca, como ver Deus também deve machucar os olhos. O que nos salva é saber distraidamente que todas as coisas que existem são precisas. 

E absolutamente perfeitas.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Uma carioca em São Paulo - D. Donson


É inexplicável o modo como São Paulo não se dá facilmente a uma pessoa. Basta andar por uma rua movimentada para notar, em rápido relance, que justamente aalienação de seus habitantes é o que sedimenta e alicerça as estruturas subterrâneas dessa megacidade.

Mas afinal, quem começou São Paulo? A própria Esperança. Esperança multifacetada, de rostos agrestes, peles tecnicolors, sonhos despedaçados e, insistentemente, reconstruídos, customizados e reinventados. São Paulo ganha é na persistência. Na persistência é que se ganha São Paulo.

Num desses domingos de ressaca vegetativa, domingos em que, subversivas, as pessoas decidem ir ao parque com os filhos para esquecer por alguns instantes a luta inerente da semana que se inicia, de congestionamentos, do metrô sufocante, da chuva sem guarda-chuva, do homem pedindo moeda, da mediocridade de todos nós que se compraz ao pensar que ‘eu-não-tenho-nada-a-ver-com-isso’, pois foi num desses domingos de lívida distração do cotidiano que conheci uma carioca recém-chegada à metrópole.

Não, não era somente pela beleza, porque havia outras mais bonitas que ela. Também não eram seus bons dentes, a pele porcelanada, os cabelos lisos e soltinhos. Ela tinha dentro de si o lobo dos grandes homens, a ambição e obstinação necessária para vencer a cidade (não na cidade), para escalar os altos muros de que uma São Paulo é feita.

Percebi, com ligeira surpresa que fizeram meus olhos sorrirem, que a altivez da carioca Lala, de 159 centímetros, a levaria muito longe – aonde quisesse. Além de bonita, era esperta como um menino de rua, articulada nas palavras, ela era uma forte. E os fortes são vítimas deliberadas de uma cidade que consome força e talento como São Paulo. Quase autômatos, esses fortes são rapidamente uniformizados e transformados em legítimos paulistas, pouco importa a origem ou a classe.

Entretanto, quem se torna um paulista – e Lala rapidamente o compreendeu – quem se torna um paulista deve aceitar os termos dacidadania, uma concessão muito prática e funcional: só se é paulista enquanto se há força e talento. Uma vez exaurida, a carioca poderia se deleitar sendo uma recatada mineira, uma baiana animada, ou até mesmo ser, pela primeira vez em sua vida, uma carioca, com a resignação mansa e moderada dos que são do Rio.

Lala estava pronta para São Paulo que já começara por lhe oferecer um emprego de categoria numa rede hoteleira de renome. Em outra meia palavra de nossa conversa, que começou quando quase a atropelei de patins, fotografei o relance que me fez entender que ela era o tipo de mulher que jamais seria usada sem que o preço pago fosse o suficiente para a manutenção da sua liberdade de pessoa que jamais dependeria de outras para viver.

Ela era toda sozinha no mundo, com aquela liberdade que muitas vezes aprisiona por não sabermos usar. A carioca de riso fácil perdera os pais muito cedo e tinha duas irmãs as quais a indiferença fez abortar o amor e o laço familiar mal constituído.

--- Como você está se mantendo em São Paulo ?
----Tenho meus colaboradores. Os homens são muito estúpidos e só pensam naquilo. Eu sei que não posso ser prostituta, já que não consigo sair com alguém sem atração. Mas os que me atraem terão que, de um jeito delicado ou não, colaborar comigo. E ainda pensar que sou uma garota de virtudes.

Percebi que se tratada de uma sobrevivente, ela havia sobrevivido à própria vida. Uma forma interessantíssima de sobreviver é deixar os dias escoarem como água pelo ralo, assim, distraidamente, até que o tempo passe, até que as árvores envelheçam, até que pintem os muros da cidade, até que você se torne o que sempre foi e não sabia. Assim aconteceu com esta carioca, ela tomara posse do que sempre fora dela: o direito de existir da forma que quisesse, no lugar que desejasse, com o conforto que, sim, lhe era cabido e merecido.

Naquele momento, eu sabia que não importava o que eu dissesse, ela estava fadada a sofrer todas as conquistas que uma São Paulo é capaz de oferecer a uma pessoa disposta a escalá-la, a cidade. Sofrendo as conquistas, ela se tornaria cad avez mais ávida por novos desafios, novos objetivos que, na realidade, faziam a grande roda da fortuna girar, ao preço de sua alma jovem. Vende-se a alma sem ao menos perceber, esse é o preço real dos que trabalham por si e não para si.

Quando lhe pergunto se ela sente falta da família e dos amigos, ela olha para o café como quem procura lembrar-se de algo. De súbito, uma séria expressão em seu rosto deu forma à resposta que ela criara instantaneamente para si mesma e para mim: às vezes parece que sinto falta de alguma coisa que perdi. Mas uma coisa que perdi e agora já não preciso mais. O meu negócio hoje é viver.

Com o café já frio, ficamos sentados em um silêncio tão remoto que nenhum barulho das crianças ao redor poderia quebrar. O nosso silêncio era uma estátua de gesso ou sal, jamais tocada, apenas vista. Como o silêncio da noite da cidade que agora ela passara a habitar, o silêncio que agora a abraçava como uma mãe embala seu filho nos braços. Ambos de nós éramos anônimos, cada um com uma renúncia, uma queda e uma fortaleza construída com as próprias mãos, com pedras atiradas pela vida. E nessa fortaleza fomos habitar sozinhos, eretos, impassíveis.

São Pauloé tal qual a fortaleza que muitas vezes temos que criar para, nela, com falsa segurança, irmos habitar. Nessa cidade de sol tímido, pessoas anônimas se encontram nos elevadores e supermercados para, no instante seguinte, voltaremao desconhecimento. Muitas vezes os olhares se entrecruzam pela janela de um condomínio, mas, assustadas, as pessoas fecham suas cortinas, como se o perigo fosse o outro. Trata-se do conforto da impessoalidade, de uma fortaleza construída à imagem e semelhança do que precisamos para dormir em paz, para cuidar de uma pessoa muito especial e frágil: nós mesmos.

Saindo do parque, com o rosto suado e a boca seca, a luz do sol daquela tarde de domingo começara a me queimar como uma danação, como um deserto sem horizonte. Eu sabia que estava conectado com aquela carioca. Talvez todos nós, paradoxalmente,estávamos unidos: nós estávamos só. E quem sabe não era esse o caminho da salvação: saber que se está sozinho, precisar do outro, do semelhante, do amor sublime de quem estende uma mão.

Confuso, entrei no ônibus sem olhar para trás, de alguma forma querendo fingir que não vi tão claramente o quanto nós dois estávamos precisados de um abraço gratuito, como o que demos na hora da despedida. Nós éramos estranhos no ninho, em São Paulo , no Brasil, no mundo. E viver a glória íntima de ter sobrevivido e vencido era um galardão que só esta cidade poderia dar. Dentro de mim, com a sofreguidão dos que acolhem o outro para se sentirem acolhido, inocentei a carioca de todas as trapaças que ela confidenciou naquela tarde, todos os riscos que correra e tudo o que fizerapara estar ali.

O meu negócio também era viver. E para mim não havia dúvidas de que ela era, sim, uma garota de virtudes.

domingo, 24 de junho de 2012

Viver sem tempos mortos

A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente.

Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar.

Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele.

O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade.


Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.


Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, com Fernanda Montenegro.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Noite espontânea e o crescimento das plantas - D. Donson

Noitezinha, noitezinha, do seu negro véu crescei a flor
Da minha mente tiro o sonho
De que o mundo é puro amor

Do desejo eu vejo o espelho
Do que fui, do que eu sou
A fumaça me faz ver
Todo o ódio que restou

Noitezinha, noitezinha, não se renda para a luz
O teu brilho mais eterno
O próprio escuro é quem conduz

Amanha o dia é de sóbrios
E aos loucos perseguirão
Quem sabe o pouco da verdade
Cria o próprio Deus no coração

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Destino - D. Donson

  Chega a ser uma mutação: meu mundo cai várias vezes e eu me adapto rapidamente aos novos sentimentos. No instante seguinte, sou obrigado a esquecer o que eu sentia, fingir que não existe, até que não existe mais.

Será esse o meu destino: viver de glória em glória e de realidade em realidade. Sem nunca encontrar o meu centro, resignação e novo amanhecer. Desertos e dilúvios, amor e desencanto. Violento e fugaz, eu amo tudo de uma vez, guardo sempre um pouco mais.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Impressões do mundo gay (!?) - D. Donson


Fico impressionado com a superficilidade de alguns faggies.Especialmente os bonitos num primeiro momento (!?). Ficam tão deslumbrados com o pseudo-mundo de "coisas". Não que as "coisas" não sejam boas e importantes, mas elas não são suficientes.

Essas "coisas" (não vou explicar) distanciam ainda mais o caminho de encontro entre uma pessoa e a outra. Faggies, por favor, vamos ter propósitos maiores e mais elevados. Você pode ter um corpo bonito desde que tenha uma alma dentro.

domingo, 15 de abril de 2012

As primeiras dores do amor livre - D. Donson


Deveria haver uma forma de amar sem doer. Amar dói muito, tira o sono, queima-se em febre e em ansiedade. A vontade de unir-se completamente ao outro ser, para sempre, oh, para sempre.

A dor já começa por saber que o "para sempre" não vai exister. A garantia e o dever é o de viver uma vida inteira a cada dia que se nos dá ao lado da pessoa que amamos. E que sequer sabemos porque amamos.

Sabe-se os olhos faiscantes, a vontade de não desagradar, o desejo secreto de oferecer o melhor, de ser espontâneo, de atravessar os becos mais escuros e os vales mais derradeiros só para no fim dizer: puxa, veja pelo que "passamos"! E essa vontade de pronunciar a terceira pessoa do plural é um sinal inequívoco de que tudo está perdido, você está rendido à alegria angustiante do amor.

O "nós" é o golpe último na racionalidade, é quanto realmente começa a doer. Mas não tenho medo da dor, pois nela não sofro. E se meu amor, hora ou outra, com ou sem prévia explicação, não for correspondido, desligo o botão. Sim, dói ainda mais, é algo terrível como um soco no estômago - mas necessário.

Vou até onde o teu olho faiscante me acompanhar. Por que olhos tão brutais e selvagens? Por que essa expressão inumana? acho que você é um ser de outra época, acho que você tem em si o mistério da origem do homem, sua força me assusta e me seduz. Você a desconhece. Essa força, sim, eu amo essa força que vem de você e, às vezes, me é dada.

Breves. Tão breves são os momentos de liberdade solta, nua, inefável. Quando estou com você sinto a possível liberdade, sinto sua aproximação. Eu amo a liberdade sem nome que você possui, aprenderei a ser livre como você, talvez junto com você, até que o vento nos separe. Até que o vento nos separe. Até que um de nós voe. Ou os dois.

domingo, 8 de abril de 2012

Glória íntima - D. Donson


Como explico que tive hoje, finalmente, um dia feliz? Como explico, sem uma palavra que me contradiga, que tive o dia mais feliz da minha vida? Que estranha sensação de egoísmo por ter tido o mundo inteiro de uma pessoa. Não é egoísmo porque também compartilhei o meu inteiro mundo. Mas é uma alegria que entorpece assim como a plenitude e a eternidade também entorpecem. Quer-se completamente mais. Quer-se falar em "sempre". Mas não posso usar o "sempre". Erramos dando um nome, temos que viver essa glória íntima segundo a segundo e anonimamente.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O instinto de liberação - D. Donson

Queria tanto encontrar um meio de enlouquecer. Preciso muito dar um destino para minha loucura guardada.

A sobriedade está, pouco a pouco, me tornando mais humano e menos "eu". Eu não sou tão humano.

E guardo em segredo minha voracidade de expansão, minha vontade de montar em um cavalo e galopar sem freio. Galopar sem freio para... não importa para onde.

A minha loucura é o oposto da radicalidade dessa vida cotidiana e cheia de convenções sociais. Eu ainda quebrarei muitos pratos só para ouvir os estilhaços cortarem o silêncio, a monotonia de alguns domingos meus.

E um dia encontro esse cavalo de que falo. Cavalo que me levará para... para onde não importa. Me levará.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Alegria, a rosa rara - D. Donson


A vida das pessoas é um pouco triste e um pouco solitária. Queria tanto sentir menos a realidade dos outros. E que é a minha também. Queria tanto presentear os outros com o meu melhor, a minha presença. Mas uma alegria para o outro é rosa rara de se dar.

terça-feira, 13 de março de 2012

No light, no light - D. Donson


Perdi o texto. Não bastassem todos os pensamentos que estouram como bolhas de sabão na parede de minha mente, esqueci-me de salvar meu último texto. Isso é sintoma de que não acredito na interferência do que escrevo. Não muda nada. Então por que continuar a ver na palavra a solução última para um mundo todo em si incognoscível , misterioso e cheio de silenciosas eras a subirem por minha alma adentro, alma cada vez mais cansada, oh Deus, cada vez mais cansada?

Eu olho no espelho e o que vejo é a sombra do que fui um dia. Mas as pupilas são as mesmas e conservei a obstinação no olhar, obstinação de quem está prestes a atacar o outro, o animal feroz, o ser excepcional escondido e amarrado para não ferir. Pelo que vejo não aprendi as lições básicas, nem amar eu sabia. Nem amar eu sabia. E tampouco fiz do meu futuro um caminho percorrível por qualquer outro além de mim. Caminho sozinho, com a suave medida da solidão. Uma solidão moderada e totalmente adaptável como a minha própria sombra.

E quantas não foram poucas as vezes que pensei em desistir. O ímpito de continuar. O ímpito de continuar em detrimento de qualquer coisa, em detrimento do amor, do amor e sua tragédia, do amor e seu fiel escudeiro, o ódio!

Ah, Deus, perdoe essa incompreensão de mim mesmo, perdoe eu não querer por um instante a humanidade que me foi dada, perdoe essa minha voz embrutecida de quem não conhece nada senão o grito, o baixo grosso da dor. É porque há a esperança, mas ela não se manifesta para os pobres de espírito como eu. E há a vida, há o amor, há a paz. Paz? Eu que sempre rezei tanto. Não, não tive a minha medida de paz.

Mas não vou morrer sem ser um pouco feliz, sem experimentar de tudo, até o inferno e seus demônios. E não corrigirei uma sílaba da minha oração, por três vezes perdi meu texto, que inferno é esse? Pois que fique este vômito irracional espalhado por esta parede sonsa e obscura de sentidos e que me perdoe também os que estiveram em novidade de espírito. Era somente isso que eu queria. Era somente isso que eu queria.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Rezar para dormir - D. Donson


Como poderia eu, que nunca fui ao analista, me libertar do que eu fui no instante passado e de repente agora percebo que não o sou mais? Bem mais do que isso: não quero ser uma dessas vidas que caminham a esmo sobre a Terra sem nunca se questionar o porque se deve continuar a caminhar. Paro agora para um café, é bem noite e aceitei que terei insônia.

Voltei. Talvez aceitar a minha insônia seja uma forma bem secreta de esperar que o sono venha por si só. Enquanto acordado, penso em palavras. Penso em palavras o tempo todo, no entanto, a palavra correta não me ocorre. A palavra para o que eu sou simplesmente está escondida em algum deserto remoto da minha existência passada ou atual, e é um calvário até o seu encontro. Morro bem mais do que uma vez, morro e renasço concomitantemente.

Tento voltar mais pronto, tento voltar a ter a expressão genuína do meu melhor modo de ser, da minha ânsia por uma novidade de espírito, da descoberta fatídica de que só tenho uma chance, da sabedoria quase sublime de que jamais amarei alguém da forma como amo esse ser que de relance cruzou meu caminho e, de relance novamente, soube que era o meu desafio, era a extensão da minha experiência romântica. Por isso, mudamente, tenho feito orações. Acredito que o silêncio também seja uma voz poderosa, a voz de Deus. E ouvir esse silêncio talvez me leve à compreensão de mim mesmo, desse amor que sinto e muitas vezes me arranha por dentro.

Quem sabe toda vida não esteja mesmo precisando de uma boa dose de silêncio para ouvir o que, na insanidade cotidiana de carros, cavalos e trombones, passa desapercebido. O essencial é um relance só visível ao olho apto a ver a vida que acontece nas minúncias, no orgânico da natureza. E faço disso tudo a minha oração mais primitiva, o meu ritual de catarse, de purificação. Que a palavra traga à existência aquilo que não existe, dentro e fora de mim. Que tudo se esclareça se na loucura obstinada de ser quem eu sou eu resolver sentar um pouco para pensar e sobriamente desistir de ser quem eu era, rumo sempre ao encontro do meu melhor modo de ser.

Peço a quem me lê que me ajude neste caminho. Peço à palavra que me expresse, sem receio de ser lido só pelos que riem de mim, pois esses que me enxovalham são os que mais estão em estado de urgência: eles não vomitam a própria alma para o outro, jamais estarão vulneráveis, jamais se darão sem medo da dor, jamais sentirão esta gratidão ao ser humano ou ao universo por ter sido empurrado para dar um passo adiante.

Oras, à mim, sem religião que me identifique, resta rezar como aprendi. Rezar para este vento da madrugada que sopra na janela, balança as cortinas e esfria o café. Que vela meu sono e me dá a delimitação mais precisa de que sou uma pessoa que carece de outras. Portanto, rezo: me livre de certos abismos da trivial vida de um homem. Faça com que eu ame mais e mais quem está ao meu lado, pois quem sempre cruza um oceano para me ver é quem mais me precisa - e quem mais me importa. Que eu não seja enganado, que eu não engane ninguém. Pois no afã de enganar eu estaria sendo, deliberadamente, um monte intransponível no meu próprio caminho.

O que eu quero é a ousadia de quem se olha no espelho e dá de cara com a dignidade muda de quem não fez concessões, não se vendeu. Eu sou o meu nome, de nascer até morrer... Permita que eu me levante, pois na minha queda toda a humanidade cai também, porém se esse Amor do qual falo existe, ele me ultrapassa e me dilacera mas também me restaura e me diviniza. E só então estarei pronto para dizer "amém".

sábado, 14 de janeiro de 2012

O homem e o seu lobo - D. Donson


Abriu a porta de sua casa com o impulso autômato dos que, pela repetição de uma ato, já não percebem como estão rendidos ao hábito. No seu coração, um pequeno mundo batia, combalido, desesperançoso, mistura de cólera e cansaço. A vida se tornara mais e mais intolerável à medida que ele percebia quão difícil e inacalçável era a obrigação de ser uma "pessoa humana".

E havia tantos que como ele nunca tinham experimentado um momento de verdadeira felicidade. Não me refiro à ânsia desesperadora de quem constantemente tira a felicidade da fonte obscura do prazer. Ele desejava era o momento de tranquilo e sereno encontro consigo mesmo, estava precisado de uma felicidade mansa, aquela moderada paz que vem bem aos poucos, sem alarde ou descontrole, delicada como a brisa da manhã.

Foi mesmo nesta manhã de janeiro que ele tivera a coragem de parar para ouvir. Parar para ouvir os ecos de sua figura interior, a experiência mais assustadora e talvez mais verdadeira e ousada que uma pessoa pode ter. A casa silenciosa, os sussuros taciturnos antes ignorado agora eram encarados com a destreza de arqueiro que atira sua última flecha. O destemor acrescentava ainda mais indiferença à expressão de seus olhos. Era o estado alertivo de quem espera se defender de um ataque.

Sentia-se qual uma carta marcada no jogo da vida. A manhã começara a lhe ofender com raios de sol cada vez mais ardentes, crestando sua máscara de guerra, a máscara da noite de ontem. Foi então que, em meio tão secreta medição, sentiu fome. --- Explendor! Estava salvo. Salvo pela fome! Todos tinham fome, grande ou pequena. Comer era para ele mais que uma ação, era um rito ancestral de purificação. Assim que matava a fome, regozijáva-se com a força de líder tribal que come coração do inimigo, era forte, era intenso, era pura vida original...

A fome lhe dava direto à autotopiedade, já que até Deus disse que 'bem-aventurado são os que sentem fome'. Não era isso? E quando criança fingia não ser maduro o suficiente tentando prolongar a inocência que há muito dexeira de habitar seu espírito. Agora, após uma noite de prazer forçado, mastigada com furor e revolta, mastigava com o ódio primitivo de quem não sabe ao certo aonde é que dói. Se não era dor de fome, era qualquer outra dor em seu âmago.

Talvez fosse a dor primeira da existência de uma pessoa, dor recôndita, antiga e quase nunca questionada. Mais do que isso, era mesmo a dor da descoberta das raízes nebulosas e corruptas da natureza humana. Uma vez posto à frente de seu maior pecado, o de ser o que se era, pensou: "eu sou". Assutado, com respiração arfante, correu como pode. Ele era uma pessoa viva; era também o peso de suas escolhas, tudo tão cruel e irremediável.

Tarde demais! A vida havia lhe rasgado todo com sua lâmina da realidade. Uma vez ferido pela realidade a solução seria lutar contra ela ou ignorá-la. Escolheu não ignorá-la, mas vivê-la de forma bem distraída, sem culpa, sem medo da pergunta, encarando o seu "eu sou" com a mesma truculência de quem ousa perguntar "quem você é".

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Kuschelgeisicht R U


Dear prince,

I don´t know how to start to write about us. I guess I look so corny when the theme is love.

Babe, I would like to know english better then I could dare being poetic. But what I feel for you seems to be the landscape that once I didnt see in anywhere else in the world but in Rio, Búzios.

It was a sunny day and for the first time in a long long hard work period we could enjoy the sea and have some hours off.

That day is unforgettable because was perfect. We was gether, the bliss was in profusion and we, secretly, we knew that we were living an unrepeatable moment.

I know every month that each hour I have with you is unrepeatable and it´s the closest I got to the word "bliss". You are exactly what I found after a long gap of self-understanding.

Obviously, it is scaring. To give what you are to somebody else is not an easy or fast task. It was getting so so so intense, lover, and in those days I was restless thinking that I could lose myself, my individuality or my sense of liberty.

No, lover, when I realized that like an austrian bird very bold you could fly away my heart felt desperate and I did experiment the worse part of loving someone: the lack of the presence, the lack of love.

Babe, I just can´t live or go on without your shining presence. What I say somebody else in love must had said before but I don´t care, it´s myself singing inside in this dark rainy night.

When I said I see great things for us is because now, for the first time, I did dare to say "us".

We are so young now, babe, we come from so different worlds. But I do believe somehow life prepared our meeting in the moment that I most needed.

The way you look to me and smile to me and hug me and feel safe with me. It´s bliss. I know that it´s bliss because we scarcely can be apart from each other.

For you that did show me what "bliss" means. For you that came from lands so so far. I give you my heart and my body - with the soul inside. Every breath that I take, and every moment I am awake... I wanna keep the flame, babe, infinite... it´s vast, it´s beautiful, will last!


Ich liebe dich, mein Kuschelgeisicht!