É uma madrugada silenciosa e todos dormem há um certo tempo. Estou no sofá, com o computador na mão ouvindo músicas da Disney e vendo fotos da minha temporada lá. Na verdade, coloquei repetidas vezes In My Life, dos Beatles. E me da um nó na garganta quando lembro dos momentos mais felizes que vivi. Das pessoas incríveis que conheci. Do lugar mágico, da realidade tão aumentada, da intensidade dos dias e das horas.
Sabe, são tantos assuntos que temos que pensar. Eu realmente desejo com desespero terminar logo a faculdade este ano. Amo muito a maioria das pessoas de lá, embora de risada de duas ou três pessoas medíocres da nossa sala. Mas no fundo sinto pena deles e da pseudo-fecilidade deles. Juro que não sei se este será o meu futuro, ser um jornalista. Ando tão relapso, tão em outra dimensão. Ando pensando muito na vida, no livro que está dentro de mim e que, acredito, devo escrever na minha próxima viagem. Sinto que preciso viajar. Preciso deixar muita poeira para trás. Não escolho fugir dos problemas, escolho buscar energia em outras fortalezas. Escolho ampliar esta minha visão que depende sempre do ponto de partida da minha vista.
Eu estou tão vazio. Não sei externar o que ocorre. Mas é um vazio profundo e sem precedentes, um deslocamento, uma estranha alienação. Às vezes, penso que em algum lugar do mundo, tem alguém esperando por mim. Vi tantas gentes e tantos lugares que me pareço com um fragmento no espaço, sem uma origem que me explique.
Pelo menos estou livre do que um dia chamei de AMOR. E para minha sorte era apenas afeto. Afeto pela pessoa errada, por uma mentira muito bem contada. E o bom do universo é que nunca somos enganados sem que os nossos olhos se tornem mais apurados, mais sensíveis ao que é verdadeiro e falso. Mas não fui o maior enganado, não. A melhor resposta apenas o tempo e o meu tácito silêncio poderão dar. “Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante, mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente”.
Eu não vou te deixar saber como eu enxergo você agora. Entretanto, saiba que não era o seu corpo, não era a sua beleza (totalmente dentro da trivialidade das pessoas medianas), não era o tom da sua pele ou dos seus olhos. Eu pensei ter gostado de algo que havia dentro de você, que fugia ao lamentável senso comum de grande parte das pessoas. No entanto, sua mediocridade, hoje, me parece insuportável até mesmo para você. E sua busca insana pelo prazer me remete à uma miséria humana que eu não desejo para mim. É como tomar as gotas de água de uma torneira cheia de ferrugem. Eu não: prefiro o sofrimento legítimo do que o prazer forçado.
Esquecendo-me do que para trás fica, prossigo para o que adiante de mim está. Esta semana, devo voltar a Santos e ficar dois dias para o treinamento de vida a bordo. Fui selecionado para a companhia Costa, a maior empresa inglesa de cruzeiros. Devo ficar em alto mar por seis meses, cruzar a costa da Europa, o mediterrâneo, a Grécia, quem sabe a Austrália também. Neste período, pretendo escrever meu livro, cada noite debaixo de um céu diferente. E com meu livro, eu devo romper com todos os nãos, todos os limites da minha sensibilidade. Com sorte, muitos me lerão, tenho certeza.
Também estou cuidando para ser feliz com minha família. Quanto aos amigos, continuo cultivando os mesmos e as vezes conheço gente nova. Sinto falta dos amigos do ICP, mas a vida da voltas e uma forma de estar com eles, é tê-los comigo. Sinto, às vezes, que as pessoas não nos amam pelo que nós somos. A superficialidade de algumas relações me constrange. Contudo, somos o que somos. Eu sou meus cabelos, meu tom de pele, meus braços e pernas, sou meus olhos tensos, sou minha boca, sou talvez uma força da natureza. E quando eu morrer a vida será tão forte em mim que, de alguma forma, eu vou insistir em fazer parte deste ciclo.
Numa manhã, há duas semanas, acordei disposto a mudar o curso do meu barco. Consegui um novo estágio e pedi a conta da revista. Me senti muito livre e sobretudo maduro. É impressionante como podemos sim mudar nosso padrão de comportamento. Não me reconheço nestes últimos tempos. Estou tão mais calmo, mais lúcido, menos ansioso e intranqüilo. Estou talvez gozando do que se chama fé. Fé na vida, talvez. Mas é um acreditar no hoje e no por vir.
Isso tem me mantido de pé em meio aos mais boring days. E uma coragem que desconheço me faz acreditar que eu posso ganhar o mundo e refazer a minha história, quantas vezes eu quiser. Construir e desconstruir, até que fique plena como eu desejo. Porque o que eu quero não está diante de mim: o que eu quero eu preciso descobrir. Sei apenas que quero muito estar em paz com a minha guerra.