A verdade é um relance. Dia destes, caminhando despretensiosamente pelo sítio de uma amiga, vi um senhor de aparência fadigada sentado em frente a uma velha casa. Estava observando qualquer coisa depois da cerca que rodeava a propriedade. Não sei como explicar, mas, de súbito, soube a vida deste homem. Sim, de relance, me ocorreu em detalhes todo seu passado.
Os muitos filhos que criou, a terra em que lhes tirou o sustento, o suor e a luta de uma vida tão batalhada quanto anônima. E o pior anonimato é desconhecer o próprio esforço. Este senhor poderia ter vários nomes, mas decidi chamá-lo de Zé. Somente eu pude ver Zé na intimidade de seu momento impessoal, momento em que ele escolheu despojar-se de todos os seus papéis, sentar na varanda e apenas refletir sobre a imanência do eterno Nada.
Vi sim e, antes de tudo, ele era “um forte” como disse Euclides da Cunha. Não questionava e não se rebelava contra qualquer que fosse suas condições. Na certa não gozava de fartura, nem galinha havia em seu quintal. Mas aquela imagem bucólica me causou grande espanto. Também eu sou responsável por uma vida: a minha. E nunca saberei o que é ser outra pessoa, a não ser nestes raros instantes em que a verdade nos pega de assalto.
De repente, invejei Zé com olhos semicerrados de indignação: ele era parte de alguma coisa, um homem satisfeito com o seu corpo esquálido e sua postura desalinhada, alguém que pertencia ao lugar – Zé era pedaço de uma paisagem. Percebi que jamais conseguiria encarar o Nada com tamanha tranquilidade. E por um instante ele me olhou, mas por sorte não me viu. Sei que não viu porque sou estrangeiro naquelas terras.
Por vezes, porém, tive que encarar a vida e a sua grande esfinge. Fui enfático, quase áspero com minhas respostas simplistas: “vivo porque nasci e morrerei sem simbologias, como quem sai pela porta dos fundos. Insisto na sinceridade de um jogo aberto e queria que você, esfinge, não se escandalizasse com minhas questões. O que há atrás do pensamento, da consciência, do sangue pulsante, do ambiente em que me lançaram?” Não decifrei a esfinge até agora. Mas ela também não me decifrou!
No entanto, o homem continuava ali a me ofender com sua liberdade gratuita, como quem sabe o que esconde a grande esfinge. Eu não podia deixar barato: a melhor forma que encontrei de me vingar contra a ousadia de Zé e a obscuridade e o mistério do que não conheço foi vivendo, de forma inédita, até a última gota, ocupando um vasto lugar nesse planeta em que, meus Deus, somos tão estrangeiros... Contrariado e confuso, deixei aquele sertão para, mais tarde, cair em outros.
O sertão, na realidade, é essa sede insaciável de completude, é estes novos caminhos que, em mata fechada, sou obrigado a abrir. O sertão é esse silêncio excruciante das perguntas sem respostas, mas é também o alívio feliz de quem passa desapercebido pela vida. O sertão (conheço vários) é mais forte do que eu e me dilacera com o simples olhar de um caipira. O sertão não é o mundo: é a dor da descoberta do mundo.
Os muitos filhos que criou, a terra em que lhes tirou o sustento, o suor e a luta de uma vida tão batalhada quanto anônima. E o pior anonimato é desconhecer o próprio esforço. Este senhor poderia ter vários nomes, mas decidi chamá-lo de Zé. Somente eu pude ver Zé na intimidade de seu momento impessoal, momento em que ele escolheu despojar-se de todos os seus papéis, sentar na varanda e apenas refletir sobre a imanência do eterno Nada.
Vi sim e, antes de tudo, ele era “um forte” como disse Euclides da Cunha. Não questionava e não se rebelava contra qualquer que fosse suas condições. Na certa não gozava de fartura, nem galinha havia em seu quintal. Mas aquela imagem bucólica me causou grande espanto. Também eu sou responsável por uma vida: a minha. E nunca saberei o que é ser outra pessoa, a não ser nestes raros instantes em que a verdade nos pega de assalto.
De repente, invejei Zé com olhos semicerrados de indignação: ele era parte de alguma coisa, um homem satisfeito com o seu corpo esquálido e sua postura desalinhada, alguém que pertencia ao lugar – Zé era pedaço de uma paisagem. Percebi que jamais conseguiria encarar o Nada com tamanha tranquilidade. E por um instante ele me olhou, mas por sorte não me viu. Sei que não viu porque sou estrangeiro naquelas terras.
Por vezes, porém, tive que encarar a vida e a sua grande esfinge. Fui enfático, quase áspero com minhas respostas simplistas: “vivo porque nasci e morrerei sem simbologias, como quem sai pela porta dos fundos. Insisto na sinceridade de um jogo aberto e queria que você, esfinge, não se escandalizasse com minhas questões. O que há atrás do pensamento, da consciência, do sangue pulsante, do ambiente em que me lançaram?” Não decifrei a esfinge até agora. Mas ela também não me decifrou!
No entanto, o homem continuava ali a me ofender com sua liberdade gratuita, como quem sabe o que esconde a grande esfinge. Eu não podia deixar barato: a melhor forma que encontrei de me vingar contra a ousadia de Zé e a obscuridade e o mistério do que não conheço foi vivendo, de forma inédita, até a última gota, ocupando um vasto lugar nesse planeta em que, meus Deus, somos tão estrangeiros... Contrariado e confuso, deixei aquele sertão para, mais tarde, cair em outros.
O sertão, na realidade, é essa sede insaciável de completude, é estes novos caminhos que, em mata fechada, sou obrigado a abrir. O sertão é esse silêncio excruciante das perguntas sem respostas, mas é também o alívio feliz de quem passa desapercebido pela vida. O sertão (conheço vários) é mais forte do que eu e me dilacera com o simples olhar de um caipira. O sertão não é o mundo: é a dor da descoberta do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário