segunda-feira, 2 de março de 2009

A revolta de um porco pensante - Por D. Donson


Eu sempre fui um porco. Minha mãe, a porca, foi quem me deu a luz. O problema de ter nascido porco é que nunca pude dizer o que sinto para o bicho-homem. Ele pensa que não sei a diferença entre eu que sou porco e ele que é homem grande e que me supera. Claro que sei: bicho-homem fala e por falar demais acha que animal não entende.


No entanto, estou cansado de minha vida de porco. Sobretudo porque metade da minha família já seguiu para o abate e a mim soa solitário meus grunhidos ininteligíveis. Estou com muito medo e muita raiva. A vida toda fui vítima de abuso: só por nascer porco, não significa que gosto de sujeira e de fedor. Só por nascer porco, não sou obrigado a dividir meu alimento com gente que mal conheço. Só por nascer porco, não preciso ser porco literalmente. Céus... Também tenho minhas vaidades. Se bicho-homem não tem respeito pela pessoa de um porco, que dirá então de seus semelhantes?


Confesso que jamais fui com a cara do bicho-homem. Sempre tão arrogante, tão bruto e injusto... Não me lembro de ter visto ele tratar as vacas da mesma forma agressiva que me trata. E minha mãe? Deus a tenha. Foi traumático vê-la na mesa de Natal. Olha, eu vou te contar uma coisa, o bicho-homem é por demais falso. Não dá nada a ninguém – antes toma. E se ganho este monte de comida o dia inteiro, com certeza é porque meu lombo é atraente e saboroso. E me desculpe o desabafo. É que corro muitos perigos, como todo porco que vive e tem ciência de seus direitos.
Pela lei, posso viver até doze anos. É uma infâmia nascer para morrer antes do tempo.


Insisto na idéia de que nós, os porcos, não precisamos morrer tão jovens. Só o homem morre quando quer? É segredo nosso: quando nos matam antes do tempo, fazemos questão de duplicar o colesterol da carne, assim, não tarde, eles enfartam e conhecem o Deus que tudo fez. Outra coisa que discordo, é esta história de Deus deixar tudo na mão de homem, como se nós não pudéssemos cuidar de nossos focinhos.


Juro que tentei ser doméstico, simpático, dócil. Como recompensa, só levei traições e abusos por parte do bicho-maior, o ser excepcional, o ser humano. Eles fazem isto só conosco ou entre eles de maneira geral? Sim, porque entre porcos há união e quando um vai para o forno é tristeza geral. Tanto que quando minha mãe se foi não comemos por quase uma manhã inteira... Vez ou outra há festa na fazenda. É o momento de dura perseguição. Quando matador abre a cerca, não se vê uma viva alma no celeiro. Galinha que é esperta se esconde na palha. Eu tento não fazer barulho, como me ensinou minha mãe.


O fato é que todo mundo aqui está na revolta com esses humanos. Ser bicho não é mais como antigamente: agora eles comem até nossa cabeça. Venho por esta manifestar a insatisfação da classe dos animais. Podem entender como ameaça, esta é a intenção. Se as coisas não mudarem, vamos arrancar bicho-homem do topo da cadeia alimen... Dizia isto o porco quando chegou o tratador e o levou para o matadouro. Moral da história: em terra de homens, a opinião particular de um porco é inconstitucional.